Como cada um destes movimentos tem aspectos positivos e negativos,
torna-se fácil criticá-los e combatê-los, principalmente porque
geralmente a partir da segunda e terceira geração depois da visitação de
Deus, a tendência é o engessamento e a institucionalização com suas
estruturas de poder.
Ser evangélico hoje significa andar nos passos dos reformadores e destas
outras contribuições, seja buscando alguma integração, seja na ênfase
de uma só delas. No entanto, não se trata de eleger uma ou outra, mas de
discernir o sopro do Espírito que, de tempos em tempos, renova algum
aspecto que foi negligenciado ou esquecido da teologia e da prática de
Jesus de Nazaré. Trata-se de julgar e reter o que há de bom em cada uma
delas e receber com alegria esta preciosa herança, aprendendo com a
História e com aqueles que trilharam o caminho da fé, da esperança e do
amor antes de nós.
A Reforma aconteceu no século XVI. O que podemos aprender dos primeiros
mil e quinhentos anos da história da igreja? Muitos evangélicos
esclarecidos dizem: nada. Antes da Reforma só existiam duas igrejas
cristãs: a Romana e a Ortodoxa. Lutero e Calvino eram agostinianos e
lemos abundantes citações dos Pais da Igreja nas Institutas de Calvino.
Precisamos confessar, como evangélicos, nosso preconceito e orgulho.
Pois, até hoje, olhamos com suspeita para tudo o que aconteceu no seio
da Igreja de Cristo anterior à Reforma, por considerar esta contribuição
como Católica Romana, e achar que, do catolicismo, não pode vir nada
valioso.
O fato é que, durante os primeiros mil e quinhentos anos de História da
Igreja, o Espírito Santo também soprou várias vezes. A Espiritualidade
Clássica engloba a contribuição dos santos e doutores da igreja nos
movimentos da Patrística, da Monástica e da Mística Medieval, isto é, o
vento do Espírito anterior à Reforma.
O que se observa hoje é que alguns protestantes se debruçam sobre este
período, a Espiritualidade Clássica, com o desejo de aprender e integrar
na experiência evangélica aquilo que há de bom. Evangélicos como Hans
Burki, James Houston, Eugene Peterson, Alister McGrath, Richard Foster,
Ricardo Barbosa estão redescobrindo a riqueza da Espiritualidade
Clássica, como contribuições vitais para a igreja de hoje. Católicos
contemporâneos também buscam resgatar esta tradição: Henri Nouwen,
Anselm Grun, Thomas Merton e outros. A Comunidade de Taizé, fundada pelo
reformado Irmão Roger, tem alcançado muitos jovens na Europa e outros
países, com sua proposta de reconciliação, integrando o que há de bom
nas tradições ortodoxa, católica e reformada.
É uma falácia achar que a Reforma do século XVI, apesar de sua
importância fundamental, é o único e definitivo mover do Espírito Santo
na História da Igreja, e que nada de bom aconteceu nos séculos
precedentes. Felizmente para nós estes antigos movimentos estão
documentados e podemos aprender com eles.
Alguns esclarecimentos que se fazem importantes acerca da Espiritualidade Clássica:
1) Não é um produto. Não é mais uma mercadoria na prateleira religiosa
para um mercado ávido por consumir novidades. Mas, trata-se de um olhar
mais profundo para os conteúdos e a prática da fé cristã, ancorado na
experiência com a Palavra e com o Espírito Santo, para vivermos a vida
de Cristo em nós.
2) Não é uma prática mística, alienante baseada em técnicas religiosas
que produzem sensações agradáveis e felicidade instantânea. Suas ênfases
no silêncio e na solitude, na meditação e na contemplação não são fins
em si mesmo, mas meios para uma vida de santidade e serviço ao próximo.
Com a Lectio Divina, nós evangélicos podemos resgatar uma leitura
bíblica com o coração, com os afetos.
3) Embora a monástica seja muito mal vista pelos evangélicos, é inegável
seu impacto no Ocidente. No século III, após a conversão de Constantino
e do cristianismo se tornar a religião oficial do império, homens e
mulheres se retiraram em regiões ermas e remotas para orar e ler a
Bíblia. Surgiram os mosteiros e as regras. Ao redor do mosteiro
floresceu a civilização ocidental: a biblioteca gerou a academia, o
espaço do sagrado atraiu artistas, o ora et labora desenvolveu
tecnologias de cultivo, preparo e conservação de alimentos.
4) O resgate da Espiritualidade Clássica não busca resultados, ou
conquistar o mundo, muito menos ainda causar um impacto na Igreja. Ao
contrário se remete ao simples, ao pequeno, ao fraco. Não é para ser
marketeado, sistematizado, explicado, reproduzido. Não busca uma
recompensa imediata. Não é para ganhar nada, mas um caminho para aqueles
que amam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para aqueles que abriram
mão do poder e querem simplesmente crescer na comunhão com Deus, ouvir
sua voz e responder com dedicação e consagração.
A multiforme sabedoria de Deus não uma experiência de conhecimento que
pertence a um indivíduo ou a um grupo, ou a movimento. Mas engloba o
patrimônio de revelação de Deus através da História da Igreja. Ou seja,
as muitas vezes que o Espírito Santo revitalizou, renovou, corrigiu,
avivou e despertou o povo de Deus de seus desvios e acomodações ao longo
dos séculos e através da nações, nas três confissões cristãs: Ortodoxa,
Romana e Reformada.
Para isto há que se vencer o preconceito evangélico, que considera que
tudo o que é católico é herético e, ao fazer isto, se auto-proclama dono
da verdade. Assim rejeita o Pastor de Hermas, Clemente, Justino, Inácio
de Antioquia, Orígenes, Policarpo, Pacomio, Antão, Bento, Atanásio,
Crisostemo, Gergório Nazianzeno, Basilio, Agostinho, Bento, Bernardo de
Claraval, Francisco de Assis, Tomas de Aquino, Catarina de Siena, Inácio
de Loyola, Savonarola, João da Cruz, Tereza D’Ávila, Bartolomeu de las
Casas, Tereza de Calcutá e muitos outros. Estou certo que a leitura dos
pais orientais, dos santos místicos e dos doutores do passado e a
apreciação do exemplo de suas vidas podem contribuir decisivamente para a
Igreja do Século XXI.
E, claro, integrando com a contribuição de John Wyclif, Jun Huss,
Lutero, Calvino, Zwinglio, George Fox, John Bunyan, John Knox, Conde Von
Zinzendorf, John Wesley, Philip Jacob Spener, Geroge Whitefield,
Charles Finney, Jonathan Edwards, D.L.Moddy, William Carey, Hudson
Taylor, David Livinstone, Willian Both, Karl Barth, Paul Tillich,
Dietrich Bonhoeffer, Martin Luther King, John Stott, René Padilha,
Samuel Escobar e tantos outros.
Sim, sou um reformado evangélico: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola
Fide, Solus Christus, Soli Deo Gloria. E aberto para aprender e integrar
a Espiritualidade Clássica na minha experiência cristã. Aprecio e sou
edificado com o que aconteceu em Nicéia (325), Monte Cassino (529),
Assis (1223), Wittenberg (1517), Westminster (1647), Azuza Street
(1905), Medelin (1968) Lausanne (1974), e com outros momentos que o
Espírito soprou na História da Igreja. E acho importante e promissor
este diálogo entre a Reforma Protestante e a Espiritualidade Clássica,
integrando o que é de bom nestes movimentos.
E prossigo no meu caminho: na intimidade com o Pai, sob a direção da
Palavra e a inspiração do Espírito Santo; buscando a santidade de Cristo
e, com a Igreja, anunciando o Evangelho e servindo aos pobres. E quando
falho, me arrependo, experimento a graça perdoadora e recomeço.
http://www.ubeblogs.net/2016/03/a-reforma-protestante-e-espiritualidade.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário