Jonathan Edwards 14 de Setembro de 2016 - Vida Cristã
Eu gostaria de mostrar o que é humildade.
A humildade pode ser definida como sendo o hábito da mente e do coração
que corresponde à nossa indignidade e vileza em comparação com Deus, ou
o senso de nossa própria insignificância aos olhos de Deus, com a
disposição para um comportamento correspondente à humildade. Ela
consiste em parte no senso ou estima que temos de nós mesmos; e, em
parte, na disposição que temos para um comportamento correspondente a
este senso ou estima. E o primeiro elemento na humildade é
1.1. O senso de nossa própria insignificância comparativa.
Digo insignificância comparativa porque a humildade é uma graça
peculiar aos seres que são gloriosos e excelentes em todos os seus
muitos aspectos. Assim os santos e anjos, no céu, suplantam em
humildade; e esta é peculiar a eles e adequada neles, ainda que sejam
seres puros, impolutos e gloriosos, perfeitos em santidade e excelentes
na mente e força. Mas, ainda que sejam assim gloriosos, contudo possuem
uma insignificância comparativa diante de Deus, e disto são sensíveis;
pois lemos que, aquele diante de quem devemos nos humilhar, contempla as
coisas que estão no céu (Sl 113.6). Assim o homem Jesus Cristo, que é o
mais excelente e glorioso de todas as criaturas, no entanto é manso e
humilde de coração, e em humildade suplanta a todos os demais seres. A
humildade é uma das excelências de Cristo, porque ele é não somente
Deus, mas também homem, e, como homem, ele era humilde; pois humildade
não é, e não pode ser, um atributo da natureza divina. A natureza de
Deus é de fato infinitamente oposta ao orgulho, e contudo a humildade
não pode ser, propriamente, um predicado dele; pois, se o fosse, isto
implicaria imperfeição, o que é impossível em Deus. Deus, que é infinito
em excelência e glória, e infinitamente acima de todas as coisas, não
pode ter em si qualquer consciência de insignificância, e portanto não
pode ser humilde. Humildade, porém, é uma excelência peculiar a todos os
seres inteligentes criados, pois todos eles são infinitamente pequenos e
insignificantes diante de Deus, e a maioria deles é de alguma maneira
insignificante e inferior em comparação com alguns de seus semelhantes.
Humildade implica compromisso com aquela norma do apóstolo (Rm 12.3), a
saber, que não devemos pensar de nós mesmos mais do que convém
pensarmos, mas que pensemos de nós mesmos sobriamente, segundo Deus
trata a cada um, na medida não só da fé, mas também das demais coisas. E
esta humildade, como uma virtude nos homens, implica o senso de sua
própria insignificância comparativa, tanto quando compara com Deus, como
quando comparada com seus semelhantes.
Primeiro, a humildade, primária e principalmente, consiste no senso de nossa insignificância quando comparados com Deus,
ou o senso da infinita distância que há entre Deus e nós. Somos
criaturas pequenas, desprezíveis, sim, vermes no pó, e devemos sentir
que não passamos de nulidade, menos que nada, em comparação com a
Majestade do céu e da terra. Abraão expressa tal senso de sua nulidade
quando disse: “Eis que me atrevo a falar ao Senhor, eu que sou pó e
cinza” (Gn 18.27). Não existe humildade sem alguma medida deste
espírito; porque, seja qual for a medida do senso que tivermos de nossa
insignificância, quando comparados com alguns de nossos semelhantes, não
somos realmente humildes, a menos que tenhamos o senso de nossa
nulidade quando comparados com Deus. Há pessoas que cultivam o
pensamento de inferioridade, acerca de si mesmas, quando se comparam com
outras pessoas, à vista da insignificância de suas circunstâncias, ou
de um temperamento melancólico e de desalento que lhes é natural, ou de
alguma outra causa, enquanto nada sabem da infinita distância que existe
entre elas e Deus; e, muito embora estejam prontas a olhar para si como
sendo humildes, contudo não possuem a verdadeira humildade. Aquilo que
acima de todas as demais coisas nos convém saber de nós mesmos é o que
somos em comparação com Deus, que é nosso Criador e aquele em quem
vivemos, nos movemos e temos nosso ser, e que é infinitamente perfeito
em todas as coisas. E caso ignoremos nossa insignificância quando
comparados com ele, então o que é mais essencial para nós, o que é
indispensável à genuína humildade, está ausente. Mas, onde este fato é
realmente sentido, aí a humildade se sobressai.
Segundo, o senso de nossa insignificância quando comparados com muitos de nossos semelhantes.
Pois o homem é não só uma criatura insignificante em comparação a Deus,
mas ele é mui insignificante quando comparado com as multidões de
criaturas de uma posição superior no universo; e a maioria dos homens é
insignificante em comparação a muitos de seus semelhantes. E quando o
senso desta insignificância comparativa se origina de um justo senso de
nossa insignificância como Deus a vê, então ela é da natureza da genuína
humildade. Aquele que tem um correto senso e estima de si mesmo, em
comparação a Deus, provavelmente terá seus olhos abertos para
contemplar-se corretamente em todos os aspectos. Vendo realmente como
ele é com respeito ao primeiro e mais elevado de todos os seres, isso
tenderá grandemente a ajudá-lo a ter uma justa apreensão do lugar que
ele ocupa entre as criaturas. E aquele que não conhece corretamente o
primeiro e mais elevado dos seres, que é a fonte e manancial de todos os
demais seres, realmente não pode conhecer tudo corretamente; mas, na
medida em que vem ao conhecimento de Deus, então está preparado para e é
guiado ao conhecimento das demais coisas, e, então, de si mesmo, quando
relacionado com os demais, e quando situado entre eles.
Este conceito de humildade deve
aplicar-se aos homens considerados como seres perfeitos, e teria sido
verdadeiro de nossa raça, se nossos primeiros pais não houvessem caído e
assim envolvido sua posteridade em pecado. Mas a humildade nos homens
caídos implica o senso dez vezes maior de insignificância, quer diante
de Deus, quer diante dos homens. A insignificância natural do homem
consiste em estar ele infinitamente abaixo de Deus em perfeição natural,
e em estar Deus infinitamente acima dele em grandeza, poder, sabedoria,
majestade etc. Uma pessoa realmente humilde é sensível da pequena
extensão de seu próprio conhecimento e da grande extensão de sua
ignorância, e da pequena extensão de seu entendimento, quando comparado
com o entendimento de Deus. Tal pessoa é sensível de sua debilidade, de
quão pequena é sua força e de quão pequena é ela em sua capacidade de
agir. Ela é sensível de sua natural distância de Deus; de sua
dependência dele; e de que é pelo poder de Deus que ela é sustentada e
provida, e que necessita da sabedoria de Deus para ser conduzida e
guiada, e de seu poder para capacitá-la a fazer o que deve por e para
ele. Ela é sensível de sua sujeição a Deus, e que a grandeza dele
consiste propriamente em sua autoridade, de que ele é o soberano Senhor e
Rei sobre todos; e que ela se dispõe a sujeitar-se a essa autoridade,
quando sente que lhe convém submeter-se à vontade divina e em tudo
sujeitar-se à autoridade de Deus. O homem teve esta sorte de pequenez
comparativa antes da queda. Então, ele era infinitamente pequeno e
insignificante em comparação a Deus; mas sua insignificância natural se
tornou muito maior a partir da queda, pois a ruína moral de sua natureza
reduziu grandemente suas faculdades naturais, ainda que não as
extinguisse.
A pessoa realmente humilde, desde a queda, é também sensível de sua insignificância e vileza morais. Isto consiste em sua pecaminosidade. Sua insignificância natural é sua pequenez como criatura; sua pequenez moral é sua vileza e imundície, como pecador.
O homem antes da queda era infinitamente distante de Deus em suas
qualidades ou atributos naturais; o homem caído está infinitamente
distante dele também como pecador, e, por isso, imundo. E uma pessoa
realmente humilde em alguma medida é sensível de sua insignificância
comparativa neste aspecto: ela percebe quão excessivamente imunda é
diante de um Deus infinitamente santo, a cujos olhos os céus não são
limpos. Ela percebe o quanto Deus é puro e quão imunda e abominável é
ela diante dele. Isaías teve esse senso de sua insignificância quando
contemplou a glória de Deus e clamou: “Ai de mim! Estou perdido! Porque
sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros
lábios, e meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (Is 6.5). O
humilde senso de nossa insignificância, neste aspecto, implica aversão
de nossa própria miséria, tal como a que levou Jó a exclamar: “Eu te
conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem. Por isso, me abomino
e me arrependo no pé e na cinza” (Jó 42.5, 6). Implica ainda aquela
contrição e quebrantamento de coração de que fala Davi, quando diz:
“Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado; coração
compungido e contrito, não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17). E também o
que Isaías contemplou quando declarou: “Porque assim diz o Alto, o
Sublime, que habita a eternidade, o qual tem o nome de Santo: Habito no
alto e santo lugar, mas habito também com o contrito e abatido de
espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e vivificar o coração
dos contritos” (Is 57.15). E tanto o senso de nossa pequenez pessoal
quanto o senso de nossa vileza moral diante de Deus, estão implícitos
naquela pobreza de espírito de que fala o Salvador, quando afirma:
“Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino do céu”
(Mt 5.3).
Além deste senso de nossa própria
insignificância e indignidade, que está implícito na humildade, ser
muito necessário para conhecermos a Deus, e termos o senso de sua
grandeza, sem o qual não podemos conhecer a nós mesmos, precisamos
também ter o senso correto de sua excelência e amabilidade. Os demônios e
espíritos condenados veem uma grande porção da grandeza de Deus, de sua
sabedoria, onipotência etc. Deus os torna sensíveis dessa grandeza,
pela qual veem em seus modos de tratá-los e sentem em seus próprios
sofrimentos. Por mais indispostos sejam eles em reconhecê-lo, Deus os
faz saber o quanto ele está acima deles hoje, e saberão e o sentirão
ainda mais, durante e após o julgamento. Eles, porém, não possuem
humildade, nem jamais a possuirão, porque, ainda que vendo e sentindo a
grandeza de Deus, contudo nada veem e nada sentem de sua amabilidade. E
sem isto não pode haver real humildade, pois ela não pode existir a
menos que a criatura sinta sua distância de Deus, não só com respeito à
sua grandeza, mas também quanto à sua amabilidade. Os anjos e os
espíritos redimidos, no céu, veem ambas estas coisas; não só quão maior é
Deus do que eles, mas também quão mais amável é ele; de modo que, ainda
quando não tenham contaminação e mácula absolutas, como possuem os
homens caídos, contudo, em comparação a Deus, lemos que “nem os céus são
puros a seus olhos” (Jó 15.15), e “aos seus anjos atribui imperfeições”
(Jó 4.18). A partir desse senso de sua insignificância comparativa, as
pessoas se tornam sensíveis de quão indignas são da misericórdia ou da
observação graciosa de Deus. Jacó expressou esse senso quando disse:
“Sou indigno de todas as misericórdias e de toda a fidelidade que tens
usado para com teu servo” (Gn 32.10), e Davi, quando exclamou: “Quem sou
eu, Senhor Deus, e qual é a minha casa, para que me tenhas trazido até
aqui?” (2Sm 7.18). E aquele que realmente se humilha diante de Deus
também possui esse senso.
Trecho do livro: "Caridade e seus frutos", por Jonathan Edwards
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