A
O método que me proponho a seguir nesta ocasião será:
1. Mostrar qual é a verdadeira Oração.
2. Mostrar o que é orar com o Espírito.
3. O que é orar com o Espírito e com o entendimento.
4. E finalmente, fazer uma breve conclusão do tratado.
A oração é o derramar de modo sincero, consciente e amoroso o coração ou a alma diante de Deus, por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito Santo, buscando as coisas que Deus prometeu, ou que estão em conformidade com a Sua Palavra, para o bem da igreja, com fiel submissão à Sua vontade.
Esta descrição contém, portanto, sete pontos. Orar é derramar seu coração ou a alma:
1. De modo sincero;
2. De modo consciente;
3. De modo afetuoso, derramando a alma diante de Deus, por meio de Cristo;
4. No poder ou ajuda do Espírito Santo;
5. Buscando as coisas que Deus prometeu, ou que estão que estão em conformidade com a Sua Palavra;
6. Para o bem da igreja;
7. Com submissão fiel à vontade de Deus.
3. Somente o Espírito pode mostrar claramente ao homem o miserável que ele é por natureza, capacitando-lhe assim para a oração. Falar é apenas falar, como dizíamos, e é nada senão somente culto de lábios quando não há uma experiência realmente eficaz de sua baixeza. Oh, que hipocrisia horrível a da maioria dos corações! Quão horrenda mentira que muitos homens orem hoje em dia somente para serem vistos! E tudo isso por não possuírem uma experiência de sua própria miséria! Mas o Espírito mostra amorosamente à alma a sua miséria, e mostra sua posição e o que provavelmente acontecerá com ela, lhe mostra também o intolerável de sua condição. O Espírito é quem redargui eficazmente do pecado e da miséria de uma vida sem Cristo, colocando assim, a alma em uma atitude aceitável, séria, consciente, amorosa, para orar a Deus segundo a Sua Palavra.
6. Porque sem o Espírito, ainda que o homem visse a sua miséria, e também a forma de se aproximar de Deus, jamais poderia anelar ter comunhão com Ele, em Cristo, e em misericórdia, sem contar com a aprovação Divina. Quão grande tarefa, para a pobre alma que percebe seu pecado e a ira de Deus, dizer em fé, apenas esta palavra: “Pai”! Eu vos digo que, qualquer que seja a opinião dos hipócritas, esta é a maior dificuldade para o Cristão verdadeiro: Não poder dizer que Deus é seu Pai. “Ah! infelizmente”, diz, “não me atrevo a chamar-Lhe Pai”. Por isto precisamente é necessário que o Espírito seja enviado ao coração do povo de Deus, para que clamem: “Pai”!
Oh, que tristes aspectos teriam aqueles homens, e com que terror caminhariam pelo mundo, se eles soubessem a mentira e blasfêmia que sai de sua boca até mesmo em sua mais perfeita simulação de santidade! Que o Senhor os desperte e os ensine, pobres almas, para atender em toda a humildade que não sejam imprudentes e ignorantes a respeito de seu próprio coração, e muito mais, quanto a sua boca! Quando compareceres diante de Deus (como disse o sábio), “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma” (Eclesiastes 5:2), especialmente a chamar Deus de “Pai”, sem que você tenha alguma bendita experiência. Mas, prossigamos com nossas considerações.
1. Orar com entendimento é orar sob a orientação do Espírito, compreendendo a necessidade daquilo que a alma há de pedir. Embora um homem necessite sobremaneira de perdão dos pecados, e de ser livrado da ira vindoura, se não entende, não o desejará em absoluto, ou sentirá tanta indiferença e mornidão em seus desejos, que Deus aborrecerá mesmo a atitude espiritual de pedir essas coisas. Isso foi o que aconteceu com a igreja em Laodicéia: lhes faltava conhecer o que é o entendimento espiritual; não sabiam que eram tristes, miseráveis, pobres, cegos e nus; causa pela qual eles e todos os seus cultos eram considerados por Cristo como uma abominação, a tal ponto que Eles lhes ameaçou vomitar de Sua boca (Apocalipse 3:16-17). Os homens podem recitar as mesmas palavras que outros têm escrito ou dito, porém se não o fazem com entendimento, mesmo que houvesse naqueles outros, a diferença é grande, apesar de serem pronunciadas as mesmas palavras.
4. O entendimento iluminado vê nas promessas de Deus suficiente amplitude para sentir-se alentado a orar; o que lhe acrescenta força sobre força. Assim como quando os homens prometem certas coisas aos que vêm por elas, isto constitui motivo de encorajamento para aqueles que conhecem tais promessas, assim ocorre com aqueles que conhecem as promessas de Deus.
4. Vigie cuidadosamente o teu próprio coração para que não te enganes contra as evidências do Céu, nem em teu andar com Deus neste mundo.
oração é
uma ordenança de Deus para o uso tanto público como privado: Mais ainda,
é uma ordenança que coloca aqueles que têm o espírito de súplica em
estreita relação com Ele, e também possui efeitos tão notáveis que
alcançam grandes coisas de Deus, tanto para uma pessoa que ora, como
para aqueles por quem ela ora. Abre, por assim dizer, o coração de Deus,
e, através dela, a alma mesmo quando vazia, é preenchida. Através da
oração o Cristão também pode abrir seu coração a Deus como o faria com
um amigo, e obter um renovado testemunho de Sua amizade. Muitas palavras
poderiam ser utilizadas aqui para distinguir entre oração pública e
privada, assim como entre a do coração e a dos lábios. Também poderia
dizer algo para fazer a diferença entre os dons e graças na oração, mas,
deixando este método de lado, desta vez me ocuparei somente em mostrar a
alma da oração, sem a qual toda elevação de mãos, olhos ou vozes seria
completamente desprovida de propósito.
O método que me proponho a seguir nesta ocasião será:
1. Mostrar qual é a verdadeira Oração.
2. Mostrar o que é orar com o Espírito.
3. O que é orar com o Espírito e com o entendimento.
4. E finalmente, fazer uma breve conclusão do tratado.
I. O QUE É ORAÇÃO
A oração é o derramar de modo sincero, consciente e amoroso o coração ou a alma diante de Deus, por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito Santo, buscando as coisas que Deus prometeu, ou que estão em conformidade com a Sua Palavra, para o bem da igreja, com fiel submissão à Sua vontade.
Esta descrição contém, portanto, sete pontos. Orar é derramar seu coração ou a alma:
1. De modo sincero;
2. De modo consciente;
3. De modo afetuoso, derramando a alma diante de Deus, por meio de Cristo;
4. No poder ou ajuda do Espírito Santo;
5. Buscando as coisas que Deus prometeu, ou que estão que estão em conformidade com a Sua Palavra;
6. Para o bem da igreja;
7. Com submissão fiel à vontade de Deus.
1. Quanto ao primeiro
ponto: É derramar de modo sincero a alma diante de Deus. A sinceridade é
uma graça que faz parte de todas as demais que Deus nos concede, e
todas as atividades do Cristão são influenciadas por ela, caso
contrário, Deus não as olharia. Isso acontece na oração, como
particularmente disse Davi, falando sobre o assunto: “A ele clamei com a
minha boca, e ele foi exaltado pela minha língua. Se eu atender à
iniquidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá” (Salmos 66:17-18).
A sinceridade é parte da oração, porque
sem ela Deus não a considera como tal: “E buscar-me-eis, e me achareis,
quando me buscardes com todo o vosso coração” (Jeremias 29:13). A falta
de sinceridade fez Jeová rejeitar as orações que nos fala em Oséias
7:14, onde diz: “E não clamaram a mim com seu coração” (isto é, em
sinceridade), “mas uivam nas suas camas”. Mas oram para dissimular, para
exibir-se hipocritamente, para serem vistos pelos homens e aplaudidos
por eles. A sinceridade é o que Cristo elogiou em Natanael, quando ele
estava debaixo da figueira: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há
dolo”. Provavelmente este bom homem havia estado derramando a sua alma a
Deus em oração debaixo da figueira, fazendo-o com um espírito sincero e
determinado diante do Senhor. A oração que contém esse elemento como um
de seus principais ingredientes, é a oração que Deus escuta. Assim,
vemos que “a oração do justo é o seu prazer” (Provérbios 15:8). Por que a
sinceridade deve ser um dos elementos essenciais da oração que Deus
aceita? Porque a sinceridade induz a alma a abrir o coração perante Deus
com toda simplicidade para apresentar o caso claramente, de forma
inequívoca, reconhecer a culpa sem falsidade, a clamar a Deus desde o
mais profundo de seu coração, sem palavras vazias e artificiais.
“Bem ouvi eu que Efraim se queixava,
dizendo: Castigaste-me e fui castigado, como novilho ainda não
domado...” [Jeremias 31:18a]. A sinceridade é a mesma quando é
silenciada em um canto ou quando ela se apresenta para o mundo. Não sabe
levar duas máscaras, uma para aparecer, diante dos homens e outra para
breves momentos, passados em solidão. Ela se oferece ao olho
perscrutador de Deus, e anela se ocupar no dever da oração. Não possui
apreço pelo esforço dos lábios, pois sabe que o que Deus vê é o coração,
de onde brota, para ver se a oração é acompanhada pela sinceridade.
2. É derramar de um modo
sincero e consciente o coração ou alma. Não se trata, como muitos
pensam, de algumas expressões balbuciantes, de uma conversa lisonjeira,
senão de um movimento consciente do coração. A oração contém um elemento
de múltipla e genuína sensibilidade: algumas vezes para o peso que
representa o pecado, outras a ação de graças pelas misericórdias
recebidas, outras para a vontade de Deus a conceder Sua misericórdia,
etc.
(a) A consciência da
necessidade de misericórdia, por causa do perigo do pecado. A alma,
digo, passa por uma experiência na qual suspira, geme, e o pecado a
entristece, pois a verdadeira oração, da mesma forma que o sangue brota
da carne quando é aprisionada por cadeias de ferro, expressa balbuciante
o que procede do coração quando ela está sobrecarregada com dor e
amargura. Davi grita, clama, chora, desmaia em seu coração, seus olhos
lhe falham, se secam, etc. Ezequias lamentou-se queixosamente como uma
pomba; Efraim se lamenta; Pedro chorou amargamente; Cristo experimentou o
que é “grande clamor e lágrimas”; e tudo isso por estar ciente da
justiça de Deus, da culpa do pecado, das dores do inferno e da
destruição. “Os cordéis da morte me cercaram, e angústias do inferno se
apoderaram de mim; encontrei aperto e tristeza. Então invoquei o nome do
Senhor” (Salmos 116:3-4). E em outro lugar: “A minha mão se estendeu de
noite” (Salmo 77:2). E também: “Estou encurvado, estou muito abatido,
ando lamentando todo o dia” (Salmos 38:6). Em todos estes exemplos, e
muitíssimos outros que poderiam ser citados, pode ser visto que a oração
envolve uma profunda consciência motivada, principalmente, pela
experiência do pecado.
(b) Às vezes alguém é
gratamente consciente da misericórdia que recebe; misericórdia que
alenta, conforta, fortalece, anima, ilumina, etc. Assim, vemos como Davi
derrama a sua alma para abençoar, louvar e magnificar o grande Deus por
Sua bondade para com seres tão pobre, vis e miseráveis: “Bendize, ó
minha alma, ao SENHOR, e tudo o que há em mim bendiga o seu santo nome.
Bendize, ó minha alma, ao Senhor, e não te esqueças de nenhum de seus
benefícios. Ele é o que perdoa todas as tuas iniquidades, que sara todas
as tuas enfermidades que redime a tua vida da perdição; que te coroa de
benignidade e de misericórdia, que farta a tua boca de bens, de sorte
que a tua mocidade se renova como a da águia” (Salmos 103:1-5). E assim,
a oração dos santos converte-se, às vezes, em louvor e ações de graças,
mas nem por isto deixa de ser oração. Este é um mistério: o povo de
Deus ora com seus louvores, como está escrito: “Não estejais inquietos
por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas
diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças” (Filipenses
4:6). A ação de graças oferecida com plena consciência é uma poderosa
oração aos olhos de Deus, que prevalece diante dEle de modo inefável.
(c) Na oração, a alma se
expressa, por vezes, como já sabendo as bênçãos que há de receber, e
isso faz com que o coração se inflame: “Pois tu, Senhor dos Exércitos”,
diz Davi, “Deus de Israel, revelaste aos ouvidos de teu servo, dizendo:
Edificar-te-ei uma casa. Portanto o teu servo se animou para fazer-te
esta oração” (2 Samuel 7:27). Esta confiança é que moveu Jacó, Davi,
Daniel e outros, à experiência prévia das misericórdias que receberiam.
Sem transes nem êxtase, sem balbuciar de maneira néscia e vazia algumas
palavras escritas em um papel, mas com o poder, com fervor e sem cessar
estes homens apresentaram gemendo sua condição diante de Deus,
experimentando, como eu disse, as suas necessidades, sua miséria e
confiando em Seus propósitos de misericórdia.
Além disso, orar é derramar o seu coração e
alma. Há na oração um ato em que o íntimo se revela, em que o coração
se rende a Deus, que a alma se derrama afetuosamente em forma de
petições, suspiros e gemidos: “Senhor, diante de ti está todo o meu
desejo — diz Davi no Salmo 38:9 — e o meu gemido não te é oculto”. E
também: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e
me apresentarei ante a face de Deus? Quando me lembro disto, dentro de
mim derramo a minha alma” (Salmo 42:2-4). Note que diz: “Derramo minha
alma”, um termo que significa que na oração a própria vida assim como
todas as nossas forças, voam para Deus. Como diz em outro lugar:
“Confiai nele, ó povo, em todos os tempos; derramai perante ele o vosso
coração” (Salmos 62:8). Esta é a oração em que tem sido dada a promessa
de libertação para a pobre criatura cativa no cativeiro. “Então dali
buscarás ao Senhor teu Deus, e o acharás, quando o buscares de todo o
teu coração e de toda a tua alma” (Deuteronômio 4:29).
Continuemos: Orar é derramar o coração e
alma a Deus. Isso também mostra a excelência do espírito de oração. É
para a presença do grande Deus onde a oração se retira: “Quando virei e
comparecei diante de Deus”. A alma que realmente ora assim, vê a vaidade
de todas as coisas debaixo do céu; vê que só em Deus há descanso e
satisfação para ela [...] Davi diz: “Em ti, SENHOR, confio; nunca seja
eu confundido. Livra-me na tua justiça, e faze-me escapar; inclina os
teus ouvidos para mim, e salva-me. Sê tu a minha habitação forte, à qual
possa recorrer continuamente. Deste um mandamento que me salva, pois tu
és a minha rocha e a minha fortaleza. Livra-me, meu Deus, das mãos do
ímpio, das mãos do homem injusto e cruel. Pois tu és a minha esperança,
Senhor DEUS; tu és a minha confiança desde a minha mocidade” (Salmo
71:1-5). Muitos falam de Deus com discurseira, mas a verdadeira oração
faz dEle sua esperança, seu auxílio, e seu tudo. A verdadeira oração não
vê nada de substancial ou de valor, exceto Deus. E isso ocorre (como eu
disse antes), de modo sincero, consciente e afetuoso.
Seguiremos dizendo que a oração é derramar
o coração e a alma de modo sincero, consciente e afetuoso através de
Cristo. Faz-se necessário acrescentar que é através de Cristo. Caso
contrário, cabe duvidar se é oração, mesmo que se empregue muita pompa e
eloquência.
Cristo é o caminho pelo qual a alma tem
acesso a Deus, e sem o qual é impossível que um único desejo chegue aos
ouvidos do Senhor dos Exércitos: “Se pedirdes alguma coisa em Meu Nome,
tudo o que pedirdes ao Pai em Meu Nome, será feito”. Esta foi a maneira
que Daniel orou pelo povo de Deus, em nome de Cristo: “Agora, pois, ó
Deus nosso, ouve a oração do teu servo, e as suas súplicas, e sobre o
teu santuário assolado faze resplandecer o teu rosto, por amor do
Senhor” (Daniel 9:17). E o mesmo Davi: “Por amor do teu nome (ou seja,
por amor do Teu Cristo), Senhor, perdoa a minha iniquidade, pois é
grande” (Salmos 25:11). Agora, isso não quer dizer que todos os que
proferem o nome de Cristo em suas orações estão realmente orando em Seu
nome. O achegar-se a Deus através de Cristo é a parte mais difícil da
oração. O homem pode mais facilmente experimentar Suas obras, e até
mesmo desejar sinceramente Sua misericórdia, do que pode ir a Deus
através de Cristo. Aquele que vem a Deus através de Cristo deve
conhecê-lO primeiramente: pois aquele que se achega a Deus deve crer que
Ele existe. E também o que se aproxima de Deus deve conhecer a Cristo
“rogo-te que me faças saber o teu caminho”, diz Moisés, “e
conhecer-Te-ei” (Êxodo 33:13).
Somente o Pai pode revelar a este Cristo. E
vir por meio de Cristo é um poder de Deus que é dado à alma para
abrigar-se na sombra do Senhor Jesus, como aquele que se abriga em um
refúgio. Por isso, Davi chama Cristo, muitas vezes de seu escudo, torre,
fortaleza, rocha de confiança, etc. E dá-Lhe esses nomes, não só porque
Ele venceu seus inimigos, mas porque achou favor junto a Deus Pai. Para
Abraão foi dito: “Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo”, etc. (Gênesis
15:1). Então, quem se aproxima de Deus por meio de Cristo deve ter fé,
por meio da qual é revestido por Ele, e Ele aparece diante de Deus. Pois
bem, aquele que tem fé é nascido de Deus, nascido de novo, e, portanto,
torna-se um de Seus filhos, em virtude disto está unido a Cristo e
feito um membro Seu. Por conseguinte, uma vez que foi feito um membro de
Cristo, tem acesso a Deus. Digo membro de Cristo, pela maneira como
Deus o considera como parte de Seu Filho, como parte de Seu corpo, de
Sua carne e de Seus ossos, unidos a Ele pela eleição, pela conversão,
pela iluminação. Deus coloca o Espírito no coração deste pobre homem, de
modo que agora se achega a Deus em virtude dos méritos de Cristo, em
virtude de Seu sangue, Sua justiça, Sua vitória, Sua intercessão. E este
está perante Ele, sendo aceito em Seu Filho amado. Sendo assim, esta
pobre criatura torna-se membro do Senhor Jesus, e, portanto, tem acesso
ao trono de Deus, em virtude desta união, uma vez que o Espírito Santo
também está nele, habilitando-o a derramar sua alma diante de Deus e a
ser ouvido.
4. Orar é derramar o
coração e alma de modo sincero, consciente e afetuoso diante Deus por
meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito. Essas coisas dependem de
tal modo umas das outras, que é impossível que haja oração sem que todas
elas cooperem. Por mais excelente que seja o nosso discurso, Deus
rejeita toda súplica que não possua estas características. Se não se
derrama o coração sincera, consciente e afetuosamente diante dEle, e
isso por meio de Cristo, não se faz outra coisa senão um mero esforço de
lábios, o que está longe de ser agradável aos ouvidos de Deus. Assim
também, se não é no poder e ajuda do Espírito, é como o fogo estranho
que ofereceram os filhos de Arão (Levítico 10:1). Porém disto falarei
mais largamente mais adiante. Entretanto, concluímos que aquilo que não
se pede por meio dos ensinamentos e ajuda do Espírito não pode estar de
acordo com a vontade de Deus.
5. Orar consiste em
derramar o coração e alma de maneira sincera, consciente e afetuosa
diante Deus por meio de Cristo, no poder e ajuda do Espírito, pedindo o
que Ele prometeu, e que está de acordo com a Sua Palavra. A oração é
oração, quando está dentro do âmbito e do propósito da Palavra de Deus,
pois quando a petição está em desacordo com o Livro, é uma blasfêmia, ou
pelo menos, “conversas vãs”. Por isto Davi, em sua oração, não apartava
seus olhos da Palavra de Deus: “A minha alma está pegada ao pó;
vivifica-me segundo a Tua palavra” (Salmo 119:25). E também: “Lembra-te
da palavra dada ao teu servo, na qual me fizeste esperar” (Salmo
119:49). Certamente o Espírito Santo não vivifica nem move diretamente o
coração do Cristão sem a Palavra, mas por, com e através dela,
trazendo-a ao coração, e abrindo este, por meio do que o homem é
impulsionado a se achegar ao Senhor, e contar-Lhe a sua condição, e
também a argumentar e suplicar conforme a Sua palavra. Assim ocorreu no
caso de Daniel, aquele poderoso profeta do Senhor. Compreendendo pelos
livros que o cativeiro dos filhos de Israel estava chegando ao fim, ora a
Deus de acordo com a Palavra: “Eu, Daniel, entendi pelos livros (os
escritos de Jeremias) que o número dos anos, de que falara o Senhor ao
profeta Jeremias, em que haviam de cumprir-se as desolações de
Jerusalém, era de setenta anos. E eu dirigi o meu rosto ao Senhor Deus,
para o buscar com oração e súplicas, com jejum, e saco e cinza” (Daniel
9:2-3). Por todas estas razões, o Espírito é o ajudador e guia da alma,
quando esta ora de acordo com a vontade de Deus, é o mesmo Espírito que a
governa segundo a Palavra de Deus e Sua promessa. Portanto, o próprio
nosso Senhor Jesus foi retido em uma ocasião, como se sua vida
dependesse disso: “Posso, agora, orar a meu Pai, e Ele me daria mais de
doze legiões de anjos, mas como se cumpririam as Escrituras, que dizem
que assim convém que aconteça?”. Como dizendo: Se houvesse tão somente
uma palavra sobre Ele nas Escrituras, logo estaria longe das mãos dos
meus inimigos, os anjos me ajudariam. A Escritura não justifica esse
tipo de oração. Devemos orar de acordo com a Palavra e com a promessa. O
Espírito levará através da Palavra, tanto na maneira como no tema da
oração. “Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento” (1
Coríntios 14:15). Mas não há entendimento sem a Palavra; pois sem ela,
que sabedoria há?
6. Para o bem da Igreja.
Essa cláusula abrange tudo o que tende para a glória de Deus, o louvor
de Cristo, ou o proveito de Seu povo; pois Deus, Cristo e Seu povo estão
unidos de tal maneira, que se orarmos para o bem de uma, a saber, a
igreja, se ora necessariamente pela glória de Deus e pelo louvor de
Cristo. Porque, assim como Cristo está no Pai, os santos estão em
Cristo, e aquele que toca nos santos, toca na menina dos olhos de Deus.
Orai, pois, pela paz de Jerusalém e orareis por tudo o que deveis,
Jerusalém não terá jamais paz perfeita até estar no céu, e não há nada
que Cristo deseja mais do que tê-la ali, no lugar que Deus, por meio de
Cristo, lha deu. Assim, pois, o que ora pela paz e pelo bem de Sião, ou a
igreja, pede em oração o que Cristo comprou com Seu sangue e o que o
Pai Lhe deu.
Pois bem, o que ora pedindo isto, tem de
fazê-lo pedindo a abundância da graça para a igreja; ajuda contra todas
as tentações; pedindo que Deus não permita que nada a aflija demasiado e
arduamente, que todas as coisas cooperem para o seu bem, que Ele lhes
guarde irrepreensíveis e sinceros, para Sua glória, filhos sem culpa em
meio a uma geração maligna e perversa. Esta é a essência da oração de
Cristo em João 17. E todas as orações de Paulo seguiam este curso, como
nos mostra o texto bíblico: “E peço isto: que o vosso amor cresça mais e
mais em ciência e em todo o conhecimento, para que aproveis as coisas
excelentes, para que sejais sinceros, e sem escândalo algum até ao dia
de Cristo; cheios dos frutos de justiça, que são por Jesus Cristo, para
glória e louvor de Deus” (Filipenses 1:9-11). Como vocês veem, é uma
frase curta, mas bela e de bons desejos para a igreja, do começo ao fim,
para que estejam firmes e perseverem, manifestando-se na melhor
disposição espiritual, ou seja irrepreensivelmente, com sinceridade e
sem ofensa até o dia de Cristo, quaisquer que sejam as tentações ou
perseguições a que vocês forem submetidos.
7. A oração se submete à
vontade de Deus e diz, assim como Cristo ensinou: “Seja feita a Tua
vontade”. Por meio da qual, o povo de Deus, com toda a humildade, há de
colocar-se, as suas orações e tudo que tem, aos pés de seu Deus, para
que Ele possa dispor deles segundo melhor Lhe agrade em Sua sabedoria
celestial. E, sem dúvida, Ele responderá ao desejo de Seu povo da
maneira mais conveniente para eles e para a Sua própria glória. Por
conseguinte, quando os santos oram submissos à vontade de Deus, não
significa que eles devem colocar em dúvida o Seu amor e bondade para com
eles, mas que, devido nem sempre serem igualmente prudentes,
circunstância que às vezes Satanás se aproveita para lhes tentar a orar
por aquilo que, se alcançado, não redundaria em glória de Deus e nem no
bem de Seu povo, temos esta confiança nEle, que se pedirmos alguma coisa
segundo a Sua vontade, Ele nos ouve. E, se sabemos que Ele nos ouve em
tudo o que pedimos, sabemos que obtemos as petições que Lhe houvermos
pedido, ou seja, pedindo-Lhe no espírito de graça e de súplicas. Mas,
como eu disse antes, a petição que não for apresentada em e por meio do
Espírito, não será atendida, por ser alheia à vontade de Deus, pois
somente o Espírito a conhece, e, portanto, é o único que sabe como orar
em conformidade: “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão
o espírito do homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas
de Deus, senão o Espírito de Deus” (1 Coríntios 2:11). Mais adiante
voltaremos a este ponto.
II. ORANDO COM O ESPÍRITO
“Orarei com o espírito, mas também orarei
com o entendimento” (1 Coríntios 14:15). Pois bem, orar com o Espírito
(pois isto é o que faz a pessoa que ora, ser aceitável a Deus) é, como
já mencionado, a achegar-se a Deus sincera, consciente e afetuosamente
por meio de Cristo, o que necessariamente é uma obra do Espírito de
Deus. Não há nenhum homem ou igreja no mundo que possa se aproximar de
Deus em oração, se não for com a ajuda do Espírito Santo: “Porque por
ele ambos temos acesso ao Pai em um mesmo Espírito” (Efésios 2:18). É
por isso que Paulo diz: “E da mesma maneira também o Espírito ajuda as
nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como convém,
mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis. E
aquele que examina os corações sabe qual é a intenção do Espírito; e é
ele que segundo Deus intercede pelos santos” (Romanos 8:26-27).
Comentarei brevemente as palavras deste texto que mostra tão plenamente o
espírito de oração e incapacidade do homem de orar sem Ele.
1. Considere
primeiramente a pessoa que está falando, ou seja Paulo, em sua pessoa
todos os apóstolos. Nós apóstolos, os oficiais extraordinários, os
edificadores prudentes (alguém, que inclusive, foi arrebatado ao
paraíso), “não sabemos o que havemos de pedir como convém”. Não sabemos
que coisas devemos pedir, ou por quem orarmos, nem por que meio orar;
nada disto sabemos sem a ajuda do Espírito. Devemos orar pedindo
comunhão com Deus por Cristo? Devemos pedir a fé, justificação pela
graça, um coração verdadeiramente santificado? Nada disto sabemos;
“Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do
homem, que nele está? Assim também ninguém sabe as coisas de Deus, senão
o Espírito de Deus” (1 Coríntios 2:11).
Além disso, se não sabem qual deve ser o
tema da oração, a não ser pela ajuda do Espírito Santo, sem Ele tampouco
sabem como devem orar; portanto, o apóstolo acrescenta: “Espírito ajuda
as nossas fraquezas; porque não sabemos o que havemos de pedir como
convém”. Eles não podiam realizar este dever tão bem e totalmente como
alguns, em nossos dias, creem que podem. Mesmo em seus melhores
momentos, quando o Espírito Santo lhes ajudava, os apóstolos tinham de
contentar-se em proferir suspiros e gemidos inexprimíveis, uma vez que
não tinha palavras para expressar.
Mas nisto os sábios de nossos dias estão
tão especializados, eles já sabem de antemão como orar e sobre que tema,
estabelecendo uma oração para tal dia, até mesmo vinte anos antes. Uma
para o Natal, outra para a Páscoa, e os correspondentes seis dias
depois, e assim por diante. Eles contaram ainda as sílabas que devem
conter. Também para cada festividade já têm preparadas as orações para
aqueles que ainda não vieram a este mundo. Ademais, lhes dirão quando
devem ajoelhar-se, quando ficar em pé, quando sentar-se, e quando se
moverem. Tudo o que os apóstolos não chegavam a fazer, por não poderem
compor forma tão meticulosa, por causa do temor de Deus, que lhes
constrangia a orar como deveriam.
“Porque não sabemos o que havemos de pedir
como convém”. Observe isto: “como convêm”, pois o não atentar para esta
palavra, ou pelo menos não entendê-la em seu espírito e verdade, tem
feito com que alguns inventassem, como Jeroboão, outra forma de adoração
que não seja a que está revelada na Palavra de Deus, tanto no que se
refere ao tema como à forma. Mas Paulo diz que precisamos orar como
convém, algo que não podemos fazer nem mesmo com toda a arte,
habilidade, astúcia e engenho dos homens e dos anjos. “Porque não
sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito...”.
“Sim, o mesmo Espírito” “ajuda nossa
fraqueza”, não o Espírito e a concupiscência do homem: uma coisa é o que
o homem pode imaginar e inventar em seu próprio cérebro, e outra o que
se lhe manda e deve fazer. Muitos pedem e não recebem, porque pedem mal
(veja Tiago 4:3), por isso nunca chegam sequer a estar perto de
possuírem o que pedem. A oração acidental fortuita, não dissuade a Deus
nem faz com Ele responda. Quando se está em oração, Deus esquadrinha o
coração, para ver de que raiz e espírito procede. “E aquele que examina
os corações sabe” (isto é, aprova) “qual é a intenção do Espírito; e é
ele que segundo Deus intercede pelos santos” (Romanos 8:27).
Pois, Ele só ouve aquilo que é conforme a
Sua vontade, e nada mais. E somente o Espírito pode ensinar-nos a pedir,
porque é o único que tudo esquadrinha, ainda as profundezas de Deus.
Sem este Espírito, mesmo que tivermos mil devocionários, “Não sabemos
pedir como convém”, pois nos acompanha aquela fraqueza que nos
incapacita totalmente para tal necessidade. Fraqueza que consiste no
seguinte, que é bem difícil de descrever:
Sem o Espírito, o homem é tão fraco que
por mais que use outros meios não pode ter nem mesmo um pensamento
correto relacionado com a salvação e com Deus, com Cristo, ou com Suas
bênçãos. Portanto, o Espírito diz sobre os ímpios: “Não há Deus em todos
os seus pensamentos” (Salmo 10:4, tradução literal), a menos que O
imaginem segundo eles são. “Porque a imaginação do coração do homem é má
desde a sua meninice” (veja Gênesis 8:21). Se, então, como foi mostrado
anteriormente, não podem conceber corretamente ao Deus a quem oram, nem
a Cristo, em cujo nome eles oram, nem as coisas pelas quais oram, como
poderão dirigir-se pessoalmente a Deus sem que o Espírito os ajude em
sua fraqueza?
O mesmo Espírito pessoalmente é quem
revela estas coisas às nossas pobres almas, e quem as faz entender; pelo
qual Cristo, quando prometeu enviar o Espírito, o Consolador, disse aos
Seus discípulos: “Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciar”. É como
se Ele houvesse dito: “Eu sei que, por natureza estais em trevas e
ignorância para entender as Minhas coisas, e embora proveis este sistema
ou o outro, vossa ignorância continuará, o véu está
posto sobre o vosso coração, e ninguém pode removê-lo, nem dar-lhes
compreensão espiritual, senão o Espírito”.
A verdadeira oração há de proceder, tanto
de sua expressão externa quanto de sua intenção espiritual, do que nossa
alma percebe à luz do Espírito, caso contrário, será rejeitada como
coisa vã e abominável, porque o coração e a língua não seguem em
uníssono, nem tampouco o podem, é certo, a menos que o Espírito nos
ajude em nossa fraqueza. Davi sabia disso muito bem, e por isso clamou:
“Abre, Senhor, os meus lábios, e a minha boca entoará o Teu louvor”
(Salmo 51:15).
Espero que ninguém imagine que Davi não
conseguia falar e se expressar tão bem como os demais, como qualquer um
de nossa geração, como é evidente em suas palavras e ações. Não
obstante, quando este homem excelente, este profeta, vem para adorar a
Deus, o Senhor tem que ajudar-lhe, pois do contrário nada pode fazer.
Ele era incapaz de pronunciar uma única palavra acertada a menos que o
Espírito mesmo ajudasse a sua fraqueza.
2. É preciso que a oração
seja no Espírito, para que seja eficaz. As orações que não são movidas a
partir do Alto, são como os homens: néscias, hipócritas, frias e
indecorosas; e [como] buzina aqueles que as pronunciam, tornam-se uma
abominação a Jeová. Não é a excelência da voz, nem o aparente afeto do
que ora, o que Deus vê e considera, mas o Espírito. O homem, como tal,
está tão cheio de toda sorte de impiedade, que não somente não pode ter
uma palavra ou um pensamento puro, porém, muito menos uma oração
puríssima e aceitável a Deus por Cristo.
Por isso, os fariseus, apesar de suas
orações, ou por causa delas, foram rejeitados. Não cabe a menor dúvida
de que, em termos de palavras, eles eram perfeitamente capazes de
expressarem-se, e mais, destacavam-se pela prolixidade de suas orações,
porém não tinham a ajuda do Espírito de Jesus Cristo, portanto, o que
eles faziam, o faziam somente com sua própria fraqueza. Tudo isso foi a
causa de que não puderam derramar suas almas a Deus de modo sincero,
consciente e afetuoso, no poder do Espírito. Esta é a oração que vai
para o céu, por ser elevada no poder do Espírito, pois...
3. Somente o Espírito pode mostrar claramente ao homem o miserável que ele é por natureza, capacitando-lhe assim para a oração. Falar é apenas falar, como dizíamos, e é nada senão somente culto de lábios quando não há uma experiência realmente eficaz de sua baixeza. Oh, que hipocrisia horrível a da maioria dos corações! Quão horrenda mentira que muitos homens orem hoje em dia somente para serem vistos! E tudo isso por não possuírem uma experiência de sua própria miséria! Mas o Espírito mostra amorosamente à alma a sua miséria, e mostra sua posição e o que provavelmente acontecerá com ela, lhe mostra também o intolerável de sua condição. O Espírito é quem redargui eficazmente do pecado e da miséria de uma vida sem Cristo, colocando assim, a alma em uma atitude aceitável, séria, consciente, amorosa, para orar a Deus segundo a Sua Palavra.
4. Embora os homens
vissem seus pecados, não orariam sem a ajuda do Espírito Santo. Se não
fosse por Ele, fugiriam de Deus, como Caim e Judas, e desesperariam por
completo de encontrar misericórdia. Quando uma pessoa está consciente do
seu pecado e da maldição de Deus, é difícil persuadi-la de que deve
orar, pois seu coração diz: “Não há esperança, é inútil buscar a Deus,
sou uma criatura tão vil, infeliz e maldita, que jamais Ele me terá em
conta”. Então, vem o Espírito, acalma a alma, a ajuda a levantar o rosto
para Deus infundindo-lhe um pouco da experiência do que é a
misericórdia, para que se aproxime de Deus.
5. Deve ser no Espírito
ou com Ele, pois se não é assim, ninguém pode saber como se aproximar de
Deus como convém. Os homens podem facilmente dizer que se achegam a
Deus em seu Filho, mas apegar-se a Deus “como convém”, e conforme a Sua
vontade, é a coisa mais difícil que pode ser concebida, se você quer
fazê-lo sem o Espírito. É o Espírito quem sonda todas as coisas, até
mesmo as profundezas de Deus. É o Espírito que deve nos mostrar a
maneira de nos achegarmos a Deus e também as coisas de Deus que o fazem
desejável: “Rogo-te que me mostre agora seu caminho”, diz Moisés, “para
que Te conheça” (Êxodo 33:13); e João 16:14: “Ele me glorificará, porque
há de receber do que é meu, e vo-lo há de anunciar”.
6. Porque sem o Espírito, ainda que o homem visse a sua miséria, e também a forma de se aproximar de Deus, jamais poderia anelar ter comunhão com Ele, em Cristo, e em misericórdia, sem contar com a aprovação Divina. Quão grande tarefa, para a pobre alma que percebe seu pecado e a ira de Deus, dizer em fé, apenas esta palavra: “Pai”! Eu vos digo que, qualquer que seja a opinião dos hipócritas, esta é a maior dificuldade para o Cristão verdadeiro: Não poder dizer que Deus é seu Pai. “Ah! infelizmente”, diz, “não me atrevo a chamar-Lhe Pai”. Por isto precisamente é necessário que o Espírito seja enviado ao coração do povo de Deus, para que clamem: “Pai”!
Este é um esforço que, sem o Espírito,
ninguém pode realizar conscientemente e em fé. Quando eu digo
conscientemente, quero dizer, sabendo o que é ser um filho de Deus, ser
nascido de novo. E quando digo em fé, quero dizer que a alma crê, por
experiência genuína, que a obra da graça foi feita nela. Esta é a única
maneira de chamar a Deus de Pai; e não, como muitos fazem, recitar de
memória, de modo balbuciante, o Pai Nosso, tal como está na letra do
livro.
Não, a vida de oração pertence a um homem
que possui o Espírito, depois de haver sido sensibilizado quanto ao
pecado, e ensinado a respeito de como deve se achegar ao Senhor em busca
de misericórdia, vem, digo, no poder o Espírito, e clama: Pai! Essa
única palavra, pronunciada em fé, é melhor do que mil orações — como os
homens as chamam — escritas e lidas oficialmente, de forma indiferente e
morna. Oh, quão longe estão as pessoas de perceberem isso, quando se
dão por satisfeitos com o saber de cor, e ensinar a seus filhos, o Pai
Nosso, o Credo e outros tais, quando, somente Deus sabe, eles não têm
uma verdadeira experiência de si mesmos, do que Deus exige que Lhe
ofereçamos através de Cristo!
Ah, pobre alma! Reflita sobre a tua
miséria e clame a Deus para te mostre tua confusa cegueira e ignorância
antes que te habitues e ensine a seus filhos, a, rotineiramente, a
chamá-lO de Pai. Saibam que dizer que Deus é seu Pai, por meio da
oração, sem ter uma experiência da obra da graça em suas almas, é dizer
que são judeus sem sê-lo, e, portanto, mentir. Vocês dizem: Pai nosso,
Deus diz: Vocês blasfemam. Vocês dizem que são judeus, ou seja, os
verdadeiros Cristãos, Deus diz: Mentem. “Eis que eu farei aos da
sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem” e
“conheço... a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são a
sinagoga de Satanás” (Apocalipse 3:9 e 2:9).
E esse pecado é tanto maior, quanto mais o
pecador se jacta com a pretensa santidade, qual foi a postura dos
judeus perante Cristo no capítulo 8 de João. Vemos ali como Cristo lhes
falou de sua condenação em termos inequívocos, a despeito das pretensões
hipócritas deles. E a história se repete. Alguns pretendem ser
considerados os únicos homens honrados, e tudo porque com as suas
línguas blasfemas e corações hipócritas vão à igreja e dizem: Pai Nosso!
Mas ainda assim, apesar de que cada vez que dizem a Deus: “Pai Nosso”,
blasfemem tão abominavelmente, necessitam fazê-lo por dever. E quando
outros, de princípios mais sóbrios, sentem escrúpulos de tão vãs
tradições, lhes consideram como inimigos de Deus e da nação. O povo de
Deus, como sempre, é considerado como povo turbulento, sedicioso e
faccioso.
Permitam-me, pois, raciocinar um pouco com você, pobre alma cega, ignorante e aturdida.
(A) Talvez a sua melhor
oração seja dizer: “Pai nosso que estás nos céus, etc.”. Você sabe o
significado das primeiras palavras desta oração? Você pode, sem
hesitação, se juntar ao restante dos santos: “Pai Nosso”? Você
verdadeiramente nasceu de novo e recebeu o Espírito de adoção? Vês a ti
mesmo em Cristo, e podes achegar-te a Deus como membro do Seu Filho? Ou
ignoras essas coisas, e ainda ousas dizer: “Pai Nosso”? Não é o Diabo
teu pai? E não fazes as obras da carne? E te atreves a dizer a Deus:
“Pai Nosso”!
Pior ainda, não és um daqueles que
perseguem ferozmente os filhos de Deus? Tu não os amaldiçoou em seu
coração muitas vezes? E ainda assim permites que de sua garganta
blasfema saiam as palavras: “Pai Nosso”! Ele é Pai daqueles a quem tu
odeias e persegue. Assim como o Diabo se apresentou entre os filhos de
Deus (Jó 2:1), quando estes vieram a comparecer perante o Pai, assim
ocorre agora: se aos santos é ordenado orar dizendo: “Pai Nosso”, toda a
população cega e ignorante do mundo também deve usar as mesmas
palavras: “Pai Nosso”?
(B) E realmente dizes
“Santificado seja o Teu nome”, de coração? Te esforças de todas as
formas honestas e legítimas para louvar o nome, a santidade e a
majestade de Deus? É o teu coração, teu estilo de vida, compatível com
essa passagem? Te esforças para imitar a Cristo em todas as obras de
justiça que Deus pede de ti, e te ordena? Assim é, se és daqueles que
podem em verdade clamar, com a aprovação de Deus: “Pai Nosso”. Ou não
será este o último de teus pensamentos durante todo o dia? Não
demonstras claramente que tu és um hipócrita maldito, ao condenar com
tua prática diária o que pretendes mostrar em tua oração com a tua
língua mentirosa?
(C) Você realmente quer
que venha o reino de Deus, e que se faça a Sua vontade na terra como no
céu? Mais ainda, mesmo se você, em palavra, diz: Venha o teu reino, não é
certo que levaria à beira da loucura ouvir o som da trombeta, ver como
os mortos são ressuscitados, e você mesmo ter que comparecer diante de
Deus, para dar conta de tudo o que você fez no corpo? Além disso, acaso
apenas pensar nisto não desagrada você no mais alto grau? E se a vontade
de Deus se faz na terra como no céu, isto não será a sua ruína? No céu
não há nenhum rebelde contra Deus, e se isso acontece igualmente na
terra, você não terá que ser lançado no inferno? E o mesmo quanto ao
restante de suas petições.
Oh, que tristes aspectos teriam aqueles homens, e com que terror caminhariam pelo mundo, se eles soubessem a mentira e blasfêmia que sai de sua boca até mesmo em sua mais perfeita simulação de santidade! Que o Senhor os desperte e os ensine, pobres almas, para atender em toda a humildade que não sejam imprudentes e ignorantes a respeito de seu próprio coração, e muito mais, quanto a sua boca! Quando compareceres diante de Deus (como disse o sábio), “Não te precipites com a tua boca, nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma” (Eclesiastes 5:2), especialmente a chamar Deus de “Pai”, sem que você tenha alguma bendita experiência. Mas, prossigamos com nossas considerações.
7. Para que a oração seja
aceita, deve ser a oração com o Espírito, posto que somente o Espírito
pode elevar a alma ou o coração a Deus em oração: “Do homem são as
preparações do coração, mas do SENHOR a resposta da língua” (Provérbios
16:1). Quero dizer, que toda obra feita com Deus (e, particularmente, na
oração), se o coração é acompanhado pela língua, deve ser preparado
pelo Espírito de Deus. Na realidade, a língua é muito capaz, por si
mesma, de agir sem temor nem sabedoria, mas quando é a resposta do
coração, e de um coração que foi preparado pelo Espírito de Deus, então
fala segundo Deus ordena e deseja.
São Palavras poderosas, as de Davi, quando
ele disse que “a ti, SENHOR, levanto a minha alma” (Salmo 25:1). Isso é
uma obra muito grande para que o homem possa fazê-la sem o poder do
Espírito Santo... E eu acho que um dos principais motivos para que o
Espírito de Deus seja chamado de “o Espírito de graça e de súplicas”
(Zacarias 12:10), é por ser Ele quem ajuda o coração a implorar
verdadeiramente. É por isto que Paulo diz: “Orando em todo o tempo com
toda a oração e súplica no Espírito” (Efésios 6:18), e: “orarei com o
Espírito” (1 Coríntios 14:15). A oração, se o coração não está nela, é
como um som morto; e o coração, se não for levantado pelo Espírito,
jamais orará a Deus.
8. Assim como o coração
tem que ser levantado pelo Espírito para orar corretamente, também deve
ser sustentado pelo Espírito, uma vez que o levantou, para poder
continuar orando. Eu não sei o que acontece nos corações dos outros, mas
eu tenho certeza do que se segue:
Primeiro: É impossível
que os breviários que os homens têm feito levantem ou prepararem o
coração. Tal coisa é obra exclusiva do próprio Deus.
E segundo: Eu tenho
certeza de que eles são igualmente impotentes para sustentar o coração,
uma vez levantado. E, sem dúvida, esta é a verdadeira essência da
oração: que o coração seja levantado próximo a Deus enquanto se ora a
Deus. Era difícil para Moisés manter os braços levantados para Deus em
oração, porém muito mais difícil é manter no alto o coração!
Deus se queixa precisamente disto, de que
“Este povo... me honra com os seus lábios, mas o seu coração está longe
de mim” (Mateus 15:8), E, certamente, se me permitem mencionar minha
própria experiência, posso dizer-lhes sobre as dificuldades que encontro
para orar a Deus como convém. Sei que o que eu direi é o suficiente
para que vocês, pobres homens, cegos e carnais, formem estranhas
opiniões sobre mim. Quando vou orar eu sinto que meu coração se torna
relutante em se aproximar de Deus, e não somente isto, mas uma vez em
Sua presença experimento tanta aversão, que muitas vezes me vejo
obrigado a pedir-Lhe, que tome meu coração e o atraia a Si, em Cristo, e
quando está ali, para que o mantenha perto dEle.
Além disso, muitas vezes não sei o que
pedir, tal é a minha cegueira, ou como orar, tal é a minha ignorância.
Ai de nós, se pela bendita graça, o Espírito não ajudar nossa fraqueza!
Oh, as dificuldades que o coração inicia no momento da oração! Ninguém
sabe quantos caminhos desertos e tortuosos o coração toma para sair da
presença de Deus. Quanto orgulho, também, se lhe é permitido
expressar-se! Quanta hipocrisia, na presença dos demais! E quão pouco se
compreende então a oração entre Deus e a alma em secreto, a não ser que
o Espírito haja acudido para ajudar. Quando o Espírito entra no
coração, há oração verdadeira, mas não antes.
9. Para que a alma ore
corretamente, deve ser em e com a ajuda e com o poder do Espírito,
porque sem Ele, é impossível que um homem se expresse em oração. Quero
dizer que, sem a ajuda do Espírito, é impossível que o coração, de modo
sincero, consciente e afetuoso, se derrame diante de Deus com aqueles
suspiros e gemidos que devem sair de uma alma que verdadeiramente ora.
Não é a boca a primeira a considerar na oração, mas ver se o coração
está tão cheio de afeto e fervor, em conversa com Deus, que impeça a
língua de expressar seus sentimentos e desejos. Quando os desejos de um
homem são tão intensos, numerosos e potentes do que todas as palavras,
lágrimas e gemidos que procedem do coração não são suficientes para
expressá-los, então se pode dizer que verdadeiramente deseja. O Espírito
ajuda a nossa fraqueza, e faz e pede por nós com gemidos inexprimíveis.
Pobre é a oração que é plenamente expressada com um determinado número de palavras.
O homem que realmente apresenta uma
petição a Deus jamais poderá expressar com a boca ou pena os desejos
inefáveis??, experiências, emoções e anelos que subiram ao Senhor
naquela oração. As melhores orações amiúde contêm mais gemidos do que
palavras, e as palavras que elas contêm são senão apenas uma pobre e
superficial sombra do coração, a vida e o espírito dessa oração. Não
estão escritas as palavras da oração que pronunciou Moisés, quando ele
deixou o Egito e foi perseguido por Faraó, mas sabemos que fez retinir o
céu com os seus clamores, clamores produzidos pelos indescritíveis e
inescrutáveis ?gemidos da sua alma em e com o Espírito. Deus é o Deus
dos espíritos, e Seus olhos calam até o coração. Eu duvido que tenham
este detalhe em conta aqueles que pretendem ser considerados como um
povo de oração.
Quanto mais um homem se aproxima da
perfeição na obediência de uma obra ordenada por Deus, tanto mais
difícil a encontra, e isso se deve a que a criatura, como criatura, não
pode fazê-la. Empenho na oração (como mencionado acima) não é apenas um
dever, mas uma das obrigações mais eminentes e, portanto, mais difíceis.
Bem sabia Paulo o que estava dizendo quando escreveu: “orarei com o
espírito” (1 Coríntios 14:15). Ele sabia muito bem que não era o que os
outros escreveram ou disseram que poderia fazer dele um homem de oração,
somente o Espírito poderia fazê-lo.
10. Deve ser com o
Espírito, pois do contrário, ao haver um defeito no ato em si, o será
também em sua continuação, na verdade, antes, produzirá um
desfalecimento. A oração é uma ordenança de Deus que deve perdurar
necessariamente na alma tanto que esta se encontra do lado de cá da
glória. Mas, como eu disse antes, se não é possível para um homem elevar
o coração a Deus em oração, tampouco é possível mantê-lo ali sem a
ajuda do Espírito. E sendo assim, para que persevere no tempo orando a
Deus, é preciso que seja com o Espírito.
Cristo nos diz que “devemos orar sempre, e
nunca desfalecer” (Lucas 18:41), e também nos diz qual é a definição de
um hipócrita: ele não persevera em oração, sob quaisquer
circunstâncias, ou se o faz, não é com poder (Jó 27:10), ou seja, em
espírito da verdadeira oração, mas somente por pretexto (Mateus 23:14).
Cair da experiência do poder à superficialidade, é uma das coisas mais
fáceis, mas elevar-se na vida, no espírito e poder no que diz respeito a
uma obrigação, especialmente em se tratando da oração é uma das coisas
mais difíceis. Supõe tal esforço que um homem, sem a ajuda do Espírito,
não pode orar nem uma única vez sequer, e muito menos perseverar, sem
estar em uma doce forma de orar, e em oração, assim, tanto orar quanto
ter suas orações elevadas aos ouvidos do Senhor do Sabath.
Jacó não só começou, mas ele perseverou:
“Não te deixarei ir, se não me abençoares” (Gênesis 32:26). O mesmo foi
feito pelos outros santos (Oséias 12:4). Mas isso não poderia ser feito
sem o espírito de oração: é pelo Espírito, que temos acesso ao Pai
(Efésios 2:18). Outro caso notável se encontra em Judas, quando ele
exorta os santos, por meio do juízo de Deus sobre os ímpios, a estar
firmes e perseverar na fé do Evangelho. Como excelente maneira de fazer
isso, sem a qual sabia que jamais poderiam fazê-lo, disse: “Mas vós,
amados, edificando-vos a vós mesmos sobre a vossa santíssima fé, orando
no Espírito Santo” (Judas 20).
Como dizendo: Irmãos, assim como a vida
eterna é dada somente para os que perseveram até o fim, assim também não
podeis perseverar até o fim, a menos que prossigais orando no Espírito.
A grande fraude com que o Diabo engana o mundo, consiste em fazer que
este continue na superficialidade de qualquer dever, na superficialidade
da pregação, na superficialidade de ouvir a pregação, na oração, etc.
Estes são aqueles que “tendo aparência de piedade, mas negando a
eficácia dela. Destes afasta-te” (2 Timóteo 3:5).
III. ORANDO COM O ESPÍRITO E COM O ENTENDIMENTO
O apóstolo faz uma clara distinção entre
orar com o Espírito e orar com o Espírito e com o entendimento: “Orarei
com o Espírito, mas também orarei com o entendimento” (1 Coríntios
14:15). Esta distinção foi feita porque os Coríntios não observaram que
tudo quanto faziam deveria ser feito para edificação própria, e também
das outras pessoas, não somente para a sua própria glória, como estava
acontecendo. Entregues aos seus dons extraordinários, como falar em
línguas diferentes e etc., negligenciando a edificação dos irmãos; este
foi o motivo pelo qual Paulo lhes escreveu este capítulo, para fazê-los
entender que, embora os dons extraordinários fossem excelentes, a
edificação da igreja era mais excelente ainda. “Porque, se eu orar em
língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica
sem fruto (bem como a compreensão dos outros). Que farei, pois? Orarei
com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o
espírito, mas também cantarei com o entendimento” (1 Coríntios
14:14-15).
É, pois, conveniente que tanto o
entendimento como o coração e os lábios participem na oração. O que é
feito com o entendimento é feito mais eficiente, consciente e
sinceramente. Isso foi o que fez o apóstolo rogar pelos Colossenses,
para que Deus os enchesse “do conhecimento da sua vontade, em toda a
sabedoria e inteligência espiritual” (Colossenses 1:9), e pelos Efésios,
para que Deus lhes desse o “espírito de sabedoria e de revelação; tendo
iluminados os olhos do vosso entendimento” (Efésios 1:17-18), e também
pelos Filipenses, que o seu amor abundasse “mais e mais em ciência e em
todo o conhecimento” (Filipenses 1:9).
É conveniente que um homem tenha
compreensão suficiente de tudo aquilo que empreende, seja secular ou
espiritual, e, portanto, e com maior razão, devem desejar isto todos os
que aspiram ser pessoas de oração. Espero mostrar-lhes o que é orar com
entendimento.
Entendimento significa falar em nossa
própria língua e também experimentalmente: passarei de largo do primeiro
e me ocuparei somente com o outro. Para oferecer as orações
corretamente, é preciso que haja um entendimento sadio e espiritual em
todos os que oram a Deus.
1. Orar com entendimento é orar sob a orientação do Espírito, compreendendo a necessidade daquilo que a alma há de pedir. Embora um homem necessite sobremaneira de perdão dos pecados, e de ser livrado da ira vindoura, se não entende, não o desejará em absoluto, ou sentirá tanta indiferença e mornidão em seus desejos, que Deus aborrecerá mesmo a atitude espiritual de pedir essas coisas. Isso foi o que aconteceu com a igreja em Laodicéia: lhes faltava conhecer o que é o entendimento espiritual; não sabiam que eram tristes, miseráveis, pobres, cegos e nus; causa pela qual eles e todos os seus cultos eram considerados por Cristo como uma abominação, a tal ponto que Eles lhes ameaçou vomitar de Sua boca (Apocalipse 3:16-17). Os homens podem recitar as mesmas palavras que outros têm escrito ou dito, porém se não o fazem com entendimento, mesmo que houvesse naqueles outros, a diferença é grande, apesar de serem pronunciadas as mesmas palavras.
2. O entendimento
espiritual percebe no coração de Deus a predisposição e boa vontade para
dar a alma aquelas coisas que necessita. Por este meio Davi poderia até
mesmo supor os pensamentos de Deus para com ele (Salmo 40:5). E o mesmo
ocorria com a mulher Cananéia (Mateus 15:22-28): pela fé, e por um
correto entendimento, discernia, por trás da severa atitude de Cristo, a
ternura e o desejo de ajuda-la que havia em Seu coração; o que lhe fez
ser veemente e fervorosa, ainda mais constante, até que chegou a
desfrutar da misericórdia que necessitava.
Não há nada que induza tanto a alma a
buscar a Deus e a clamar pedindo perdão, como o entendimento de que no
coração de Deus há o desejo de salvar aos pecadores. Se um homem visse
uma pérola de grande valor envolta no barro, passaria de largo sem se
preocupar, por não entender o seu valor, mas uma vez que a conhecesse,
correria grandes riscos para obtê-la. Assim ocorre com as almas no que
diz respeito às coisas de Deus. Uma vez que chegaram a entender o seu
valor, seu coração e todo o poder de sua alma correm atrás delas, e não
cessam de clamar até que as obtenha. Os dois homens cegos do Evangelho,
sabendo certamente que Jesus, que passava então, podia e queria curar as
enfermidades que os afligiam, clamaram, e ao verem-se repelidos,
clamaram com mais força ainda (Mateus 20:29-31).
3. Uma vez que o
entendimento tem sido espiritualmente iluminado, descobrimos como a alma
deve se aproximar de Deus: o que serve de grande encorajamento. É assim
também com a miserável alma, como com alguém que tem uma obra a
cumprir, e se não a fizer, o perigo é grande; e se a fizer, também é
grande a vantagem. Mas ela não sabe como começar, nem como prosseguir, e
então, em meio ao desencorajamento, abandona a tudo, e corre o perigo.
4. O entendimento iluminado vê nas promessas de Deus suficiente amplitude para sentir-se alentado a orar; o que lhe acrescenta força sobre força. Assim como quando os homens prometem certas coisas aos que vêm por elas, isto constitui motivo de encorajamento para aqueles que conhecem tais promessas, assim ocorre com aqueles que conhecem as promessas de Deus.
5. Uma vez iluminado o
entendimento, está aberto o caminho para que a alma se achegue a Deus
com argumentos apropriados, às vezes na forma de luta, como no caso de
Jacó (Gênesis 32), às vezes em forma de súplica, e não apenas
verbalmente, a não ser que até mesmo no coração o Espírito introduziu,
através do entendimento, argumentos eficazes e capazes de comover o
coração de Deus. Quando Efraim chega a compreender corretamente qual foi
a sua vil atitude para com o Senhor, começa a lamentar-se (Jeremias
31:18, 19 e 20). E ao lamentar contra si mesmo, emprega tais argumentos
que comovem o coração do Senhor, obtém o Seu perdão, e se faz agradável
aos Seus olhos por meio de Jesus Cristo, nosso Senhor, “bem ouvi eu que
Efraim se queixava”, diz Deus. “Castigaste-me e fui castigado, como
novilho ainda não domado; converte-me, e converter-me-ei, porque tu és o
Senhor meu Deus. Na verdade que, depois que me converti, tive
arrependimento; e depois que fui instruído (ou recebi instruções a
respeito de mim mesmo), bati na minha coxa; fiquei confuso, e também me
envergonhei; porque suportei o opróbrio da minha mocidade”. Estas são as
queixas e lamentações de Efraim contra si mesmo, diante das quais o
Senhor irrompe nas seguintes expressões, capazes de derreter um coração:
“Não é Efraim para mim um filho precioso, criança das minhas delícias?
Porque depois que falo contra ele, ainda me lembro dele solicitamente;
por isso se comovem por ele as minhas entranhas; deveras me compadecerei
dele, diz o Senhor” [Jeremias 31:20]. Podem, assim, perceber que é
necessário orar com o Espírito, mas também com o entendimento.
E para ilustrar o que foi dito com um
símile, digamos por acaso que dois homens vêm pedindo à sua porta. Um
deles é pobre, aleijado, está ferido e quase morto de fome, o outro é
uma criança saudável, cheio de saúde e vigor. Ambos usam as mesmas
palavras para pedir esmola. Sim, os dois dizem que estão morrendo de
fome, mas, indubitavelmente, o pobre e aleijado é o que fala com mais
sentido, experiência e compreensão das misérias que menciona em seu
pedido.
Vê-se nele uma expressão mais viva quando
ele lamenta sobre o que lhe ocorre costumeiramente. Sua dor e pobreza
lhe fazem falar em um espírito de maior lamentação do que o outro, por
isso será socorrido antes por qualquer pessoa que tenha um pouco de
afeto ou compaixão natural. Isso se aplica exatamente com Deus. Alguns
oram por costume e etiqueta, outros na amargura de seus espíritos. Um
ora por mera noção, puro conhecimento intelectual; em outro, as palavras
lhe saem ditas pela angústia de sua alma. Sem dúvida, Deus atentará
para estes, aos de espírito humilde e contrito, aos que tremem da Sua
Palavra (Isaías 66:2).
6. O entendimento bem
iluminado é também de admirável utilidade, tanto no que se refere ao
tema como à maneira de orar. Aquele que possui uma compreensão
exercitada para discernir entre o bem e o mal, e um sentido da miséria
do homem e da misericórdia de Deus, não necessita que os escritos de
outros homens lhe ensinem a clamar por meio de fórmulas de oração. Da
mesma forma que, ao que sente dor, não é necessário ser ensinado a dizer
“Ai!”. Aquele cujo entendimento foi aberto pelo Espírito não tem
necessidade de imitar as orações de outros homens. Experiência real, o
sentimento e a pressão que pesam sobre seu espírito, fazem com que
expresse, com gemidos, sua petição ao Senhor.
Quando as dores da morte atingiram Davi, e
as angústias do sepulcro lhe rodearam, não precisou de um bispo com
sobrepeliz lhe ensinasse a dizer: “Livra agora, ó Senhor, a minha alma”
(Salmo 116:3, 4). Nem consultar um livro para ensinar-lhe uma fórmula
para derramar seu o coração a Deus. Por natureza, quando os homens estão
enfermos, quando lhes aflige a dor e a enfermidade, seu coração
desabafa em doloridos lamentos e queixas aos que lhes rodeiam. Este foi o
caso de Davi no Salmo 38:1-12. E esse também, bendito seja o nome do
Senhor, é o caso dos que são dotados com a graça de Deus.
7. É necessário que haja um entendimento iluminado a fim de que a alma seja levada a perseverar no serviço e dever da oração.
O povo de Deus não ignora os muitos ardis,
truques e tentações que o Diabo usa para fazer uma pobre alma,
verdadeiramente desejosa de ter o Senhor Jesus Cristo, chegue a
cansar-se de buscar a face de Deus, e a pensar que Ele não quer ter
misericórdia dela. “Sim”, diz Satanás, “você pode orar o quanto quiser,
porém não prevalecerá. Veja seu coração: duro, frio, torpe e embotado.
Não oras com o Espírito, não oras com verdadeiro fervor; teus
pensamentos se desviam para outras coisas quando aparentas estar orando a
Deus. Fora, hipócrita; já basta; é inútil continuar lutando”.
Eis aqui, então, que, se a alma não é bem
advertida, clamará no momento: “O Senhor me desamparou, o meu Senhor se
esqueceu de mim!” Enquanto a que está devidamente instruída e iluminada
diz: “Bem, buscarei ao Senhor e esperarei, não cessarei, ainda que não
me diga nenhuma palavra de consolo. Ele amava apaixonadamente a Jacó,
porém lhe fez lutar antes de obter a bênção”. Os aparentes atrasos de
Deus não são provas de Seu desagrado, às vezes é possível que esconda
Seu rosto dos santos que mais ama. Lhe agrada em extremo manter os Seus
em oração, encontra-los continuamente batendo na porta do céu. Pode ser,
diz a alma, que o Senhor me prova, ou que Lhe agrada ouvir como lhe
apresento, gemendo, a minha condição.
A mulher cananeia não quis considerar por
reais negativas as que eram somente aparentes; sabia que o Senhor era
misericordioso. O Senhor vindicará os Seus ainda que seja tardio. O
Senhor tem me esperado muito mais tempo do que eu a Ele, e o mesmo
ocorreu com Davi. “Esperei com paciência”, diz (Salmo 40:1), isto é,
passou muito tempo antes do Senhor me responder, mas finalmente “se
inclinou para mim e ouviu o meu clamor”. O melhor remédio para isto é um
entendimento bem informado e iluminado. É uma pena que existam no mundo
tantas pobres almas que verdadeiramente temem ao Senhor, e que, por não
estarem bem instruídas, frequentemente estão dispostas a dar tudo por
perdido, cada vez que Satanás emprega um de seus truques e tentações!
Que o Senhor se compadeça delas e lhes ajude a orar com o Espírito, e
também com o entendimento. Aqui eu poderia mencionar grande parte de
minha própria experiência.
Nas minhas crises de agonia espiritual, eu
tive fortes tentações para desistir e não buscar mais ao Senhor,
todavia havendo-me feito entender quão grandes pecadores eram aqueles de
quem Ele teve misericórdia, e quão grandes eram as Suas promessas aos
pecadores, e que não era ao que está são, mas ao doente, não ao justo,
mas ao pecador, e não ao que está pleno, mas ao que está vazio, a quem
lhes comunicava a Sua graça e misericórdia, e isto, com a ajuda do
Espírito Santo, fez-me apegar-me a Ele, apoiar-me nEle, e que ao mesmo
tempo clamasse, ainda que no momento não enviou resposta. Que o Senhor
ajude a todo este pobre povo, tentado e afligido, a fazer o mesmo, e a
perseverar, ainda que tenham que esperar muito tempo, de acordo com o
que o que foi dito pelo profeta (Habacuque 2:3). E os ajude (para esta
finalidade) a orar, não por meio das invenções dos homens, e de suas
formas restritas, mas “com o Espírito, e também com o entendimento”.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
E agora, respondo uma ou duas perguntas, e então passo para outro ponto.
Pergunta 1. Mas o que
faremos nós, pobres criaturas, que não sabemos orar? O Senhor sabe que
eu não sei como se deve orar, nem o que se deve pedir.
Resposta. Pobre coração!
Te lamentas de que não sabes orar? Podes ver tua miséria? Deus tem te
mostrado que por natureza estás debaixo da maldição de sua Lei? Se assim
for, não erres; sei que gemes, e de fato, mui amargamente. Estou
persuadido de que apenas não podes fazer qualquer coisa em seu trabalho
diário sem que a oração brote de teu peito. Não subiram teus lamentos
aos céus desde de todos os cantos da tua casa? Sei que é assim; e também
teu próprio coração pesaroso testifica de tuas lágrimas, do
esquecimento de tua vocação etc. Não é verdade que o teu coração está
tão cheio de desejos pelas coisas da outra vida, que às vezes te
esqueces até mesmo deste mundo? Leia Jó 23:12.
Pergunta 2. Sim, mas
quando eu vou para o meu quarto, em secreto e trato de derramar minha
alma diante de Deus, não consigo dizer absolutamente nada.
Resposta.
(A) Ah, querida alma! Não
é às tuas palavras que Deus presta mais atenção, de maneira que não te
escutes se não te apresentas diante dEle com um discurso eloquente. Não;
Seus olhos estão postos no quebrantamento de teu coração, e isto é que
faz com que os próprios afetos do Senhor transbordem: “a um coração
quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus” (Salmo 51:17).
(B) A escassez de tuas
palavras pode ser devido à muita tristeza do teu coração. Davi estava às
vezes tão angustiado que não podia falar (Salmo 77:3-4). Entretanto, há
algo que pode servir de consolo para todos os corações pesarosos como o
teu, a saber: embora, devido à angústia de espírito não podes falar
muito, o Espírito Santo coloca em teu coração gemidos e suspiros mais
veementes, mesmo quando sua boca está fechada, o teu espírito não!
Moisés, como já dissemos, fez ressoar o céu com as suas orações, bem,
que não lemos que saíra uma única palavra de sua boca. Porém...
(C) Se desejas
expressar-te mais plenamente ao Senhor, considere, primeiramente, tua
condição corrompida, em segundo lugar, as promessas de Deus, e em
terceiro lugar, o coração de Cristo, que tu podes conhecer ou discernir
por Sua condescendência e o derramamento de Seu sangue que outorgou
anteriormente a grandes pecadores. Apresenta, pois, tua própria vileza,
como lamentação; o sangue de Cristo, como argumento; e em tuas orações,
que a misericórdia que Ele tem concedido a outros grandes pecadores
antes, junto com Suas abundantes promessas de graça, abundem em teu
coração. Ao mesmo tempo, permita-me que te aconselhes o seguinte: não te
contentes com palavras, nem tampouco creias que é para estas que Deus
olha unicamente; porém tantos se tuas palavras são poucas ou muitas, que
teu coração as acompanhe. Então Lhe buscarás e Lhe encontrarás, porque
Lhe buscarás de todo o teu coração (Jeremias 29:13).
Pergunta 3. Mas se,
aparentemente, você tem falado contra todas as formas de orar que não
seja pelo Espírito Santo, porque tu dás instruções agora?
Resposta. Devemos exortar
uns aos outros à oração, ainda que não devemos dar fórmulas de oração.
Exortar à oração com instruções Cristãs é uma coisa; e escrever fórmulas
para limitar o Espírito de Deus, é outra. O apóstolo não dá a mínima
fórmula de oração, porém insta conosco para que oremos (Efésios 6:18,
Romanos 15:30-32). Portanto, ninguém deve tirar a conclusão de que, por
darmos instruções referentes à oração, é lícito instituir fórmulas de
oração.
Pergunta 4. Mas, se nós não usamos fórmulas de oração, como ensinaremos nossos filhos a orar?
Resposta. Minha opinião é
que os homens seguem um método errado para ensinar seus filhos a orar,
ensinando-lhes precocemente a recitar frases, como é comum em muitas
pobres criaturas.
Parece-me muito melhor dizer-lhes que por
natureza são criaturas malditas, que estão debaixo da ira de Deus por
causa do pecado original e do seu próprio; explicar-lhes também qual é
natureza da ira de Deus, e a duração da miséria. Se isto se faz
consciente, saberão orar muito mais cedo. A maneira de aprender a orar é
através da convicção de pecado, um método que também serve para ensinar
nossos amados filhinhos. Fazê-lo de outra maneira, ou seja, esforçar-se
para ensinar às crianças fórmulas de oração, antes que saibam qualquer
outra coisa, é a melhor maneira de torná-los hipócritas malditos, e para
inchar-lhes de orgulho. Ensinem, pois, os seus filhos a conhecerem o
infeliz estado e condição em que se encontram. Falando-lhes do fogo do
inferno, e de seus pecados; da perdição e da salvação, da maneira de
escapar de uma e gozar da outra (se é que vocês as conhecem), e isso
fará com que as lágrimas brotem de seus olhos, e que sinceros lamentos
saltem de seus corações. Então poderão dizer-lhes a que devem orar, e em
que nome. Poderão também falar-lhes sobre as promessas de Deus, e de
Sua eterna graça estendida aos pecadores segundo a Palavra.
Ah! Pobres filhos queridos! Que o Senhor
abra seus olhos e faça deles Cristãos santos. Davi diz: “Vinde, meninos,
ouvi-me; eu vos ensinarei o temor do Senhor” (Salmo 34:11).
Certamente ele não diz: “vou amordaçá-los
mediante uma fórmula de oração”, mas “vos ensinarei o temor do Senhor”, o
que significa: “Vos ensinarei a ver o seu triste estado natural, e
instruí-los na verdade do Evangelho, o qual, por meio do Espírito,
gerará oração em todo aquele que em verdade o aprende”. Quanto mais
ensinarem isso a seus filhos, mais eles derramarão seus corações em
oração a Deus.
Deus nunca considerou a Paulo como homem
de oração, nem tampouco terá a outros, até que ele foi feito convicto e
convertido (Atos 9:11).
Pergunta 5. Mas como se
explica o fato dos discípulos pedirem a Cristo para ensiná-los a orar,
como também João ensinava aos seus, e, em seguida, Ele fez a fórmula que
hoje chamamos de “Pai Nosso”?
Resposta. Não somente os
discípulos, mas nós também queremos ser ensinados por Cristo, e uma vez
que não está aqui pessoalmente para nos ensinar, que Ele o faça pela Sua
Palavra e pelo Seu Espírito, pois Ele disse que enviaria o Espírito
para substituí-lO quando Ele partisse (João 14:16 e 16:17).
Quanto ao que se tem chamado de fórmula,
eu não posso crer que o propósito de Cristo fora dá-lo como tal e de uma
maneira tão restritiva, por duas razões:
(1) Porque Ele mesmo
ensina o contrário, segundo se infere consultando Mateus 6 e Lucas 11.
Enquanto que se houvesse dado uma fórmula de oração inalterável, Ele não
a teria alterado.
(2) Não pensamos que os
apóstolos hajam, jamais, observado semelhante fórmula, nem tampouco que
exortaram outros a fazê-lo. Esquadrinhe todas as suas epístolas, e
percebam que, ainda que eles eram tão eminentes como qualquer outro no
que diz respeito ao conhecimento para discernir e fidelidade para
praticar, não oravam segundo o mundo mais tarde, quis impor.
Mas, em suma, cremos que Cristo, com estas
palavras (“Pai Nosso”, etc.) Efetivamente instrui aos Seus sobre os
princípios que devem ser observados em suas orações a Deus:
(1) Orar com fé.
(2) Ore a Deus no céu.
(3) Pedir o que é conforme a Sua vontade, etc. Ou seja, esta oração constitui um modelo ou padrão para a oração.
Pergunta 6. Mas Cristo
manda orar pedindo o Espírito, isto significa que os homens sem o
Espírito também podem orar e serem ouvidos? Veja Lucas 11:9-13.
Resposta. O discurso de Cristo, neste caso, é dirigido aos Seus discípulos, e aos que são Seus (v. 1).
Quando Cristo lhes diz que Deus daria o
seu Espírito Santo para aqueles que o pedissem, devemos entender este
dom como um acréscimo, porque se tratava dos discípulos, os quais já
tinham certa medida do Espírito. Ele diz: “Quando orardes, dizei: Pai
nosso...” (v. 2). “Digo-vos” (v. 8). “E eu vos digo” (v. 9). “Pois se
vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais
dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que lho pedirem?” Os
Cristãos, embora Deus já lhes tenha dado, devem orar pedindo o Espírito,
ou seja, mais dEle.
Pergunta 7. Então, só deveriam orar os que sabem que são discípulos de Cristo?
Resposta. Correto.
1. Que toda alma que
aspira por ser salva se derrame diante de Deus, ainda que pela tentação
não possa deduzir que é um filho Seu. E...
2. Se a graça de Deus
está nele, será tão natural para ele gemer por sua condição como para o
bebê pedir o peito. A oração é uma das primeiras coisas que revelam que
um homem é Cristão (Atos 9:11). E se esta oração é como convêm, terá o
seguinte caráter:
(A) Desejando Deus em
Cristo, por Ele mesmo, por Sua santidade, amor, sabedoria e glória. A
verdadeira oração, que vai a Deus por meio de Cristo, está centrada nEle
e somente nEle: “Quem tenho eu no céu senão a ti? e na terra não há
quem eu deseje além de ti” (Salmo 73:25).
(B) Poder gozar
continuamente em sua alma a comunhão com Ele, tanto aqui como no porvir:
“eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar” (Salmo 17:15). “E
por isso também gememos, desejando ser revestidos da nossa habitação,
que é do céu” (2 Coríntios 5:2).
(C) A verdadeira oração é
acompanhada por um esforço contínuo por aquilo pelo que se ora: “A
minha alma anseia pelo Senhor, mais do que os guardas pela manhã” (Salmo
130:6). “Levantar-me-ei... buscarei aquele a quem ama a minha alma”
(Cantares 3:2). Rogo-lhes que observem como há duas coisas que induzem à
oração: uma é a aversão ao pecado e às coisas desta vida, a outra é um
desejo anelante de comunhão com Deus em um estado de santidade. Compare
somente isso com a maior parte das orações que os homens fazem, e se
comprovará que não são senão um escárnio, a respiração de um espírito
abominável. A maioria dos homens, ou absolutamente não oram, ou se
ocupam em zombar de Deus e do mundo ao fazê-lo. Para isto, confronte as
suas orações com a sua maneira de viver, e verão facilmente que o
conteúdo das orações é o que menos procuram em suas vidas. Que triste
hipocrisia!
Mostrei, então, brevemente: 1. O que é a
oração. 2. O que é orar com o Espírito. 3. O que é orar com o Espírito e
com o entendimento também. Vamos agora a uma palavra de aplicação e
conclusão.
IV. APLICAÇÃO
Em primeiro lugar algumas palavras de instrução.
Uma vez que a oração é dever de todos e
cada um dos filhos de Deus, dever mantido na alma pelo Espírito de
Cristo, todo aquele que se propõe a ocupar-se em oração ao Senhor deve
ser extremamente cuidadoso, e preparar-se para fazer isso com especial
temor de Deus, e com a esperança posta em Sua misericórdia por meio de
Jesus Cristo.
A oração é uma ordenança de Deus na qual o
homem se achega mais a Ele, portanto, todo aquele que está em Sua
presença, necessita tanto mais da ajuda de Sua graça, para orar como
convêm. É uma vergonha para um homem o comportar-se irreverentemente
diante de um rei, porém fazê-lo diante de Deus não é só vergonha, mas
pecado. E assim como um rei, se for sábio, não se agrada de um discurso
composto de palavras e gestos indecorosos, tampouco Deus se compraz no
sacrifício dos tolos (Eclesiastes 5:1, 4). Não são os longos discursos
nem a linguagem eloquente que agrada aos ouvidos do Senhor, mas um
coração humilde, quebrantado e contrito. Portanto, receba a instrução de
que as seguintes cinco coisas são obstáculos para a oração, e até mesmo
tornam vãs as petições da criatura:
1. Quando os homens olham
para a iniquidade em seu coração no momento de orar diante de Deus: “Se
eu atender à iniquidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá” (Salmo
66:18). Quando há um amor secreto por aquilo contra o que, com teus
lábios hipócritas, pedes forças [para combater]. Nisto consiste a
impiedade e perversidade do coração humano, que buscará amar e reter
mesmo aquilo contra o qual ele ora: com seus lábios honra a Deus, mas o
seu coração está longe dEle (Mateus 15:8). Que desagradável seria ver um
mendigo pedindo esmolas com a intenção de lançá-las aos cães! O que
primeiro disse: “Rogo-te, que me dê isso”, e depois: “Não me dê isso” E
isso é precisamente o que acontece com este tipo de pessoas, com a boca
dizem: “Faça-se Tua vontade”, e com o coração o desmentem, com a boca,
dizem: “Santificado seja o Teu nome”, e com o coração e com a vida se
deleitam em desonrar-Lhe todo o dia. Estas são as orações que se tornam
em pecado (Salmos 109:7), e embora orem amiúde ao Senhor, Ele jamais
lhes responderá (2 Samuel 22:42).
2. Quando os homens oram
para serem vistos, para serem ouvidos, e para serem tidos por pessoas
mui religiosas, e para coisas semelhantes a estas.
Estas orações tampouco têm a aprovação de Deus, e é possível que jamais sejam atendidas com vistas à vida eterna.
Existem dois tipos de homens que oram com
este fim. (A) Aqueles capelães de mesa que se introduzem nas famílias
dos ricos simulando render culto a Deus, quando na verdade a sua
ocupação principal é satisfazer os seus ventres, os quais têm sido
notavelmente tipificados pelos profetas de Acabe, e pelos de
Nabucodonosor, que, embora fingindo grande devoção, suas concupiscências
e seus ventres eram o grande objetivo final que perseguiam em suas
vidas e em todas as suas atividades devocionais. (B) Também aqueles que
buscam fama e aplausos por sua eloquência, e procuram, acima de tudo,
agradar os ouvidos e os cérebros de seus ouvintes. Estes são aqueles que
“oram para ser ouvidos pelos homens”, os quais têm já a sua recompensa
(Mateus 6:5).
Estas pessoas são descobertas da seguinte
maneira: se expressam tendo em conta somente o auditório, esperando
receber depois os elogios. Seus corações se elevam e descaem segundo os
elogios e congratulações que lhes são tributados. Eles gostam de orar de
forma prolífica, e para consegui-lo, repetem desnecessariamente as
coisas uma e outra vez. Não lhes importa de onde vêm os elogios. Seus
louros são os aplausos calorosos dos homens e, portanto, não lhes agrada
entrar em sua câmara secreta, senão estar entre os muitos. Porém, se
alguma vez a consciência lhes impele a orar sozinhos, a hipocrisia fará
com que lhes ouça nas ruas, e quando sua boca termina, acabam-se as suas
orações, pois não aguardam para ouvir o que dirá o Senhor (Salmo 85:8).
3. Uma terceira classe de
orações que Deus não aceitará é a que pede coisas injustas, ou coisas
justas, mas para gastar em deleites, e pensadas com fins injustos: “nada
tendes, porque não pedis. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para
o gastardes em vossos deleites” (Tiago 4:2-3). Ter propósitos
contrários à palavra de Deus é um argumento de peso para que Ele não
atenda às petições que lhe são apresentadas. Para isso existem tantos
que oram por tal e tal coisa, e não a recebem. A única resposta de Deus é
o silêncio. Em troca de seus esforços, eles são recompensados por suas
próprias palavras, e isso é tudo.
Pergunta. Mas não é
verdade que Deus ouve a certas pessoas ainda que seus corações não sejam
conformes ao Seu mandamento, como no caso de Israel, ao dar-lhes
codornizes que eles usaram em seus deleites?
Resposta. Se isso
acontecer, é em juízo, e não em misericórdia. Certamente deu-lhes o que
eles queriam, porém melhor houvera sido para eles não haverem recebido,
pois Ele enviou magreza às suas almas (Salmo 106:15). Ai do homem a quem
Deus responde desta maneira!
4. Há um outro tipo de
oração que não é respondida, e é a que os homens oferecem e apresentam
diante de Deus apenas em seu próprio nome, sem comparecer no Nome do
Senhor Jesus. Pois, embora Deus tenha instituído a oração, e prometido
ouvir Suas criaturas, isso não significa que ouça aqueles que não tenham
o nome de Cristo: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei”
(João 14:14). Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra
qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1 Coríntios 10:31).
Se me pedirdes alguma coisa em meu nome,
etc.; por mais devotos e zelosos, ferventes e constantes na oração que
sejam, somente em Cristo serão ouvidos e aceitos. Contudo, é uma pena
que a maioria dos homens não saibam o que é vir a Ele em nome de nosso
Senhor Jesus, o qual é a razão de que vivam como ímpios, orem como
ímpios e morram como ímpios. Ou, visto de outra forma, que não cheguem a
outra coisa senão a que o homem natural pode fazer, isto é, para ser
mais exato em suas palavras e ações no trato com os seus semelhantes, e
comparecer diante de Deus sem outra coisa senão com a sua justiça
própria.
5. O último que
mencionaremos como impedimento à oração é a confiança na forma da mesma,
esquecendo de sua virtude. É fácil que os homens sintam predileção
fanática por tal fórmula de oração, como a encontra escrita em algum
livro, mas, em troca, esquecem completamente de indagarem a si mesmos se
eles têm o espírito e o poder. Assemelham-se a homens pintados e
falando em voz de falsete. São a viva representação da hipocrisia, e
suas súplicas abominação. Quando eles dizem que derramaram a sua alma
diante de Deus, Ele responde que, na verdade, têm uivado como cães
(Oséias 7:14).
Por conseguinte, quando propor ou pensar em orar ao Senhor do céu e da terra, considere os seguintes pontos:
(1) Pense seriamente no
que necessitas e desejas. Não faça como muitos, que com as suas palavras
não fazem nada, senão golpear o ar, e pedem o que não querem nem
necessitam.
(2) Quando perceber o que necessita, não te desvies disto, cuide de orar sincera e inteligentemente.
Pergunta. Então, se eu não sinto necessidade de nada, não devo orar?
Resposta: 1. Se descobres
que és insensível ao extremo, não poderás clamar por tua
insensibilidade se há anos não és sensibilizado. É o que se poderia
chamar de experiência da insensibilidade. Assim, pois, ore conforme o
que sentes ser tua necessidade, e se te dás conta de tua falta de
sensibilidade espiritual, ore ao Senhor pedindo que te faça experimentar
Sua ausência.
Este tem sido o método dos santos homens
de Deus: “Faze-me conhecer, Senhor, o meu fim” (Salmo 39:4); “E os seus
discípulos o interrogaram, dizendo: Que parábola é esta?” (Lucas 8:9). A
promessa diz: “Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas
grandes e firmes que não sabes” (Jeremias 33:3).
2. Cuide para que o teu
coração se eleve a Deus ao mesmo tempo em que tua boca: não deixes que
esta vá além de onde tu procuras colocar aquele. Davi levantava seu
coração e sua alma ao Senhor, e tinha boas razões para fazê-lo, pois se o
coração do homem não vai onde vai a sua boca, suas palavras não são
mais do que meras honras de lábios; e ainda que Deus pede e aceita os
sacrifícios de lábios, estes, por si só, sem o coração, demonstram não
somente falta de sensibilidade verdadeira, mas também a ignorância desta
falta.
Então, se pensas em ser prolixo diante de Deus, procures que seja com o coração.
3. Cuidado com as
expressões patéticas, e com o agradar-se em seu uso, esquecendo-se de
onde está a verdadeira vitalidade da oração.
Terminarei esta seção com uma ou duas advertências.
A primeira: Cuidado com
rejeitar a oração por causa da súbita convicção de que você não tem o
Espírito Santo e nem ora com Ele. A grande obra do Diabo consiste em
fazer todo o possível para impedir as melhores orações. Ele bajulará o
maldito hipócrita e mentiroso, alimentando-lhe mil fantasias de atos
meritórios, ainda que suas orações e tudo quanto ele faz feda nas
narinas de Deus, enquanto se coloca junto do pobre Josué, para
resistir-lhe, isto é, para persuadi-lo que nem sua pessoa nem seus atos
são aceitos por Deus (Zacarias 3:1). Cuidado, então, com tais falsas
conclusões e desânimos injustificados. Embora te assalte pensamentos
como estes, longe de se sentir desencorajado por eles, use-os para orar
mais sincera e profundamente no espírito, ao achegar-se a Deus.
Em segundo lugar: Da
mesma forma que estas tentações repentinas não devem fazer que te
abstenhas de orar e derramar tua alma diante de Deus, tampouco as
corrupções de teu coração devem servir de impedimento. Talvez encontre
em ti tudo o que mencionamos anteriormente, e talvez tais coisas
procurem intervir em tuas orações a Ele. A ti cabe, então, julgá-las,
orar pedindo ajuda contra elas, e prostrar-se tanto mais humildemente
aos pés de Deus, utilizando-se de sua vileza e corrupção como um
argumento para implorar a graça que justifica e santifica, em vez de
deixar-te abater pelo desânimo e o desespero.
Davi fez: “Perdoe a minha iniquidade, pois é grande” (Salmo 25:11).
E agora algumas palavras de encorajamento.
1. O texto que se
encontra em Lucas [capítulo 11] é muito encorajador para a pobre
criatura que tem fome de Cristo Jesus. Nos versículos 5, 6 e 7 contam a
parábola de um homem que foi ver seu amigo pedir emprestado três pães,
que o outro lhe negou porque estava na cama, mas, finalmente, por causa
da sua importunação, se levantou e lhe deu o que ele pedia. Isto nos dá a
entender claramente que, mesmo que as pobres almas, pela fraqueza de
sua fé, não consigam ver que são amigas de Deus, jamais devem deixar de
pedir, clamando diante de Sua porta em busca de misericórdia. Atentem ao
que Cristo disse: “Digo-vos que, ainda que não se levante a dá-los, por
ser seu amigo, levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação”,
ou desejos impacientes, “e lhe dará tudo o que houver mister” [Lucas
11:8].
Pobre coração! Clamas dizendo que Deus não
te tem em conta, descobristes que não és Seu amigo, mas, antes, inimigo
em teu coração e em suas obras ímpias e te encontras como se ouvira que
o Senhor te diz: “Não me incomodes, não posso dar-te” — como na
parábola (Lucas 11:1-13) —, mas eu te digo, que chamando, clamando e
gemendo; te digo que embora não Se levante a dar-te por ser seu amigo,
todavia, por causa da sua importunação Se levantará e lhe dará tudo o
houver mister. “Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos
vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos
que lhe pedirem?” (Mateus 7:011).
O mesmo se descobre na parábola do juiz
iníquo e da viúva pobre (Lucas 18). A insistência dela lhe venceu. E,
certamente, a minha experiência diz-me que não há nada que pese mais
diante de Deus do que a importunação. Não é assim em relação aos
mendigos que vêm à nossa porta? Apesar de que na primeira petição não
tenhais o menor desejo de dar-lhes coisa alguma, se continuam a
lamentar-se e sem quererem sair, senão com uma esmola, se lhe dá; pois
seus contínuos rogos vencem. Acaso não há afetos em vocês, que são maus,
e são vencidos por um mendigo importuno? Vá e faça o mesmo. É um motivo
que prevalece, e a experiência confirma-o. Levantar-Se-á e te dará tudo
o que você necessita.
2. Outra fonte de
encorajamento para a alma que treme miseravelmente ao experimentar o seu
pecado, é considerar o lugar, trono ou assento em que o grande Deus
sentou-se para ouvir as súplicas e orações das pobres criaturas: “o
trono da graça” (Hebreus 4:16), “o propiciatório” (Êxodo 25:22), o que
significa que nos dias do Evangelho, Deus estabeleceu sua morada na
misericórdia e no perdão, e dali se propõe a ouvir o pecador, e falar
com ele como diz em Êxodo 25:22: “E ali virei a ti, e falarei contigo de
cima do propiciatório”.
Pobres almas! Quão propensas são a ter
pensamentos estranhos a respeito de Deus e de Sua provisão para com
elas, chegando precipitadamente à conclusão de que Ele não as tem em
conta, ainda que esteja sobre o propiciatório, e sentou-Se ali
propositalmente, a fim de poder ouvir e atender às suas orações! Se ele
tivesse dito: “falarei contigo desde o meu trono de juízo”, certamente
farias bem em tremer e fugir da face da grande e gloriosa Majestade, mas
quando disse que ouvirá e falará com as almas desde o trono da graça ou
desde o propiciatório, deve sentir-se encorajado e esperançoso, ou
melhor, animado a chegar-se confiadamente a Ele para alcançar
misericórdia, encontrar graça para socorro em ocasião oportuna (Hebreus
4:16).
3. Existe ainda um outro motivo de encorajamento para continuar em oração a Deus, e é o seguinte:
Além do fato de que há um propiciatório,
donde Deus quer falar com os pobres pecadores, também é um fato que, ao
lado desse propiciatório está Jesus Cristo, regando-o constantemente com
o Seu sangue. Por isso, é chamado de “o sangue da aspersão” (Hebreus
12:24). Quando o sumo sacerdote, debaixo da lei, havia de entrar no
lugar santíssimo, onde estava o propiciatório, não poderia fazê-lo sem
sangue (Hebreus 9:7).
Por que era assim? Porque apesar de Deus
estar sobre o propiciatório, Ele era perfeitamente justo, ao mesmo
tempo, também misericordioso. Assim, pois, o sangue havia de impedir que
a justiça caísse sobre as pessoas beneficiadas pela intercessão do sumo
sacerdote (como se entende em Levítico 16:13-16), pelo qual, toda a
indignidade que temes não deve impedir que te achegues a Deus, em
Cristo, buscando por misericórdia. Tu argumentas que és vil e, portanto,
Deus não levará em conta a tua oração.
Certamente é assim, se te deleitas em tua
vileza, e te achegas a Ele por mera simulação. Porém se derramas teu
coração diante dEle compreendendo tua impiedade, desejando com todo o
teu coração ser salvo da culpa e limpo da imundície, não temas, sua
vileza não fará com que o Senhor tape os Seus ouvidos para não ouvir-te.
O valor do sangue de Cristo, que foi aspergido sobre o propiciatório,
detém o curso da justiça e abre uma comporta para que a misericórdia de
Deus chegue até você. Portanto, tenhas confiança para entrar no Santo
dos Santos, pelo sangue de Jesus, o qual consagrou um novo e vivo
caminho para ti: não morrerás (Hebreus 10:19-20).
Além disso, Jesus está lá, não só para
borrifar o propiciatório com o Seu sangue, mas que fala, Seu sangue
fala. Por isso Deus disse que, se vê o sangue, passará de ti, e a praga
não te tocará.
Se, pois sóbrio e humilde; achegue-se ao
Pai em nome do Filho, e conta-Lhe teu caso com a ajuda do Espírito
Santo, e experimentarás então o benefício de orar com o Espírito e com o
entendimento também.
Algumas palavras de repreensão: um triste discurso aos que jamais oram.
“Orarei”, disse o apóstolo; e o mesmo diz o
coração dos que são Cristãos. Portanto, tu que não oras não és Cristão.
A promessa diz: “todo aquele que é santo orará a ti” (Salmo 32:6). Por
conseguinte, tu que não oras és um ímpio e miserável. Jacó recebeu o
nome de Israel lutando com Deus (Gênesis 32), e todos os seus filhos
levaram este nome depois dele (Gálatas 6). Mas aqueles que esquecem da
oração, que não invocam o nome do SENHOR, são objeto de orações, sim,
mas como esta: “Derrama a tua indignação sobre os gentios que não te
conhecem, e sobre as gerações que não invocam o teu nome” (Jeremias
10:25). Que te parece isto, a ti que está tão longe de derramar teu
coração diante de Deus, tu estás dormindo como um cão, te levantas como
um bêbado, e te esqueces de invocar a Deus? O que farás quando estiveres
condenado no inferno, porque não encontrou em teu coração ocasião para
pedir o céu? Quem se lamentará com a tua dor, se não crês que vale a
pena pedir por misericórdia? Digo-te que os corvos, os cães, etc., se
levantarão em juízo contra ti. Pois eles, cada um segundo a sua espécie,
dão a entender de alguma maneira que querem um refrigério quando
necessitam, porém tu não tens coração para pedir o céu, embora te vejas
prestes a perecer eternamente no inferno.
Sirva isto de censura aos que se ocupam em
leviandades, enganando e menosprezando o Espírito Santo, por não buscar
a Sua ajuda em oração. O que vocês farão quando Deus pedir contas
destas coisas? Vocês têm por alta traição falar uma palavra contra o
rei; mas ainda, tremem diante de tal pensamento, mas não lhes importa
blasfemar contra o Espírito do Senhor. Será bem-aventurado o seu fim se
tratam de julgar com estas coisas? Enviou Deus o Espírito Santo ao
coração do Seu povo tendo como fim que vocês Lhe ofendam? Isso é servir a
Deus? Isso demonstra a reforma de sua igreja, ou não é, antes o sinal
dos reprovados implacáveis? Oh, que horror! Não basta que vocês sejam
condenados por seus pecados contra a Lei, mas também vocês têm que pecar
contra o Espírito Santo? Será que o Espírito da graça, santo, inocente e
puro, a promessa de Cristo, Consolador dos Seus filhos, sem o qual
ninguém pode servir aceitavelmente ao Pai; acaso, digo, há de ser este o
fardo de sua canção: vituperar, escarnecer e zombar dEle? Se Deus
mandou a Coré e a seus companheiros diretamente para o inferno por falar
contra Moisés e Arão (Números 16), vocês creem que os que zombam do
Espírito de Cristo escaparão impunes? (Hebreus 10:29). Nunca leram o que
Deus fez a Ananias e a Safira, por dizerem somente uma mentira contra o
Espírito Santo (Atos 5:1-9), e Simão, o Mago por menosprezá-lO? (Atos
8:18-22). E vocês creem que seu pecado será virtude, ou passará sem
punição, a ponto que vocês se ocupam em murmurar contra o Seu ofício,
Seu serviço e Sua ajuda, que Ele dá os filhos de Deus? Horrível coisa e
menosprezar o Espírito da graça (Mateus 12:31, Marcos 3:29).
Tal como este é o julgamento daqueles que
abertamente blasfemam contra o Espírito Santo, em forma de desprezo e
negação de Sua obra e serviço: assim também é triste para vocês, que
resistem ao Espírito de oração, por um modelo da invenção do homem. Um
autêntico truque do maligno, que as tradições dos homens deveriam ter
melhor estima, e ser mais reconhecidas do que o Espírito de oração. Em
que é isto menor do que a abominação maldita de Jeroboão, que impediu a
muitos de irem a Jerusalém, o local e modo que Deus ordenara para culto;
e por estes meios atraiu tal desagrado da parte de Deus sobre eles, de
maneira que até hoje em dia não está abrandado? (1 Reis 12:26-33).
Alguém poderia pensar que os julgamentos de Deus de antigamente sobre os
hipócritas daquele tempo faria com que eles ouvissem a estas coisas e
tomassem cuidado e temeriam fazê-lo. Ainda os doutores de nosso tempo
estão longe de estarem alertados pela punição de outros, pois eles
precipitam-se mais desesperadamente na mesma transgressão, a saber, ao
estabelecerem uma instituição humana, não ordenada nem recomendada por
Deus; e aqueles que não obedecerão o aqui mencionado, devem ser levados
tanto para fora da terra ou do mundo.
Deus requereu estas coisas de nossas mãos?
Acaso Ele o fez, demonstre-nos onde? Se não, como eu estou certo que
não, então que maldita presunção é esta em qualquer papa, bispo, ou
outro, em ordenar no culto a Deus o que Ele não prescreveu? Não, ainda
mais, não é esta porção apenas da forma, na qual é em muitos textos da
Escritura que nós somos ordenados a dizer, mas mesmo todos devem ser
confessados como o culto Divino a Deus, não obstante estes absurdos
contêm em si, os quais devido serem de longe descobertos por outros, eu
omito o ensaio deles. Novamente, embora um homem nunca esteja desejando
viver tão pacificamente, ainda que ele não possa, por causa da
consciência, reconhece que por uma das mais eminentes partes do culto a
Deus, o qual Ele nunca ordenou, embora este homem deva ser visto como
faccioso, sedicioso, errôneo, herético, uma depreciação à igreja, um
sedutor de pessoas, e o que não? Senhor, o que será o fruto destas
coisas, quando em vez da doutrina de Deus, são impostas, ou seja, mais
do que ensinadas, as tradições de homens? Assim, o Espírito de oração é
negado, e a forma é imposta; o Espírito é rebaixado e a forma exaltada;
aqueles que oram com o Espírito, embora nunca tão humildes e santos, são
considerados fanáticos; e aqueles que oram com a forma, embora apenas
com isto, são considerados virtuosos! E como os favorecedores de tal
prática responderão à Escritura, a qual ordena que a igreja deve
afastar-se daqueles que “tendo aparência de piedade, mas negando a
eficácia dela” (2 Timóteo 3:5). E se eu dissesse que os homens que fazem
estas coisas acima citadas, promovem uma forma de oração que outros
homens fizeram, acima do espírito de oração, isto não levaria muito
tempo para ser comprovado. Pois aquele que promove o Livro de Oração
Comum acima do Espírito de oração, promove uma de forma feita por homens
acima dAquele. Mas, isto fazem todos aqueles que banem, ou desejam
banir, aqueles que oram com o Espírito de oração, enquanto eles abraçam e
acolhem aqueles que oram apenas pela formam e isto porque eles assim o
fazem. Portanto, eles amam e promovem a forma de suas próprias invenções
ou de outros, diante do Espírito de oração, o que é a ordenança
especial e graciosa de Deus.
Se vocês desejam a pureza da minoria,
olhem para as cadeias na Inglaterra, e para dentro das tabernas da
mesma; e eu creio que vocês encontrarão aqueles que clamam pelo Espírito
de oração na cadeia, e aqueles que buscam apenas a forma das invenções
de homens na taberna. Isto é evidenciado também pelo silêncio dos
queridos ministros de Deus, embora nunca tão poderosamente capacitados
pelo Espírito de oração, se eles em consciência não podem admitir aquela
estrutura da Oração Comum. Se isto não for uma exaltação do Livro de
Oração Comum acima do orar pelo Espírito, ou pregar a Palavra, eu tenho
tomado o meu alerta por inadequado. Não é agradável para mim, alongar-me
nisto. O Senhor por misericórdia converta o coração do povo para buscar
mais pelo Espírito de oração, e na força dEle, para derramar as almas
diante do Senhor. Apenas deixem-me dizer que isto é um triste sinal, que
aquilo que é uma das partes mais eminentes do simulado culto a Deus é
anticristão, quando isto não tem nada a não ser a tradição de homens, e a
força da perseguição, para defender e alegar por isto.
Concluirei este discurso com os seguintes conselhos para o povo de Deus:
1. Crê que, tão certo quanto tu estás nos caminhos de Deus, tu encontrarás as tentações.
2. Portanto, espere-as desde o primeiro dia de tua entrada na congregação de Cristo.
3. Quando chegarem, peça a Deus que te guie e ajude a superá-las.
4. Vigie cuidadosamente o teu próprio coração para que não te enganes contra as evidências do Céu, nem em teu andar com Deus neste mundo.
5. Não confies nas lisonjas dos falsos irmãos.
6. Não te apartes da vida e do poder da verdade.
7. Olhe principalmente para as coisas que não se veem.
8. Desconfie dos pequenos pecados.
9. Que a promessa não seja impedida em teu coração.
10. Renoves a tua atitude de fé no sangue de Cristo.
11. Medite na obra de tua regeneração.
12. Não renuncies a correr com aqueles que vão na frente da corrida,
A graça seja convosco!
John Bunyan, 1660.
01/06/2015
Tradução por William Teixeira e Revisão por Camila Almeida
Via: CimientoEstable • Baixe este texto em formato E-book/PDF
http://oestandartedecristo.com/texto/12/um-tratado-sobre-oracao-por-john-bunyan
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