Cristologia Ortodoxa: Livros Históricos e Salmos (3/5)
Keith Mathison 06 de Abril de 2016 - Artes e Literatura
Em nosso estudo da doutrina de
Cristo, já olhamos para o Pentateuco. Passaremos agora a diversos textos
significativos encontrados nos livros históricos e nos Salmos. Os
livros históricos narram a história da ascensão e queda de Israel, bem
como o desenvolvimento da monarquia israelita. Davi torna-se o modelo de
rei e a aliança de Deus com ele aponta para a vinda de um rei ainda
superior. Nos Salmos de Israel, ouvimos repetidamente as esperanças
inspiradas de Israel pelo rei messiânico vindouro.
2Samuel 7
Um dos capítulos mais importantes para a
compreensão da cristologia bíblica nos livros históricos é 2 Samuel 7.
Este capítulo registra os eventos em torno do estabelecimento da
aliança davídica. Davi conquistara Jerusalém e trouxera a arca para a
cidade, e Deus lhe dera descanso de todos os seus inimigos (2Sm 7.1).
Neste ponto, Davi chama o profeta Natã e manifesta seu desejo de
construir uma "casa" (hebraico: bayit) para Deus, um templo permanente em vez de uma tenda. A resposta de Deus a Davi se encontra em 2 Samuel 7.4-16.
Deus lembra a Davi que, desde o tempo
que trouxera a Israel do Egito, ele andava com o povo na tenda (2Sm
7.4–7). Ele lembra a Davi que tem sido com ele onde quer que fosse,
tendo derrotado os seus inimigos (v. 8-9a). Ele então promete a Davi que
lhe estabelecerá como um grande nome (v. 9b, NVI). Deus declara que
dará a Israel descanso de seus inimigos e que fará uma casa para Davi
(v. 10-11), e promete que estabelecerá o reino da descendência de Davi
(v. 12). Ele promete que a descendência de Davi edificará uma casa para
Deus, e promete que estabelecerá o reino de Davi para sempre (v. 13).
Deus promete: "Eu lhe serei por pai, e
ele me será por filho" (v. 14a). Deus alerta que disciplinará a
descendência de Davi, se ela vier a transgredir, mas também promete que a
sua misericórdia não se apartará de Davi, como fora tirada de Saul (v.
14b-15). Finalmente, Deus promete a Davi: "Porém a tua casa e teu reino
serão firmados para sempre diante de ti; teu trono será estabelecido
para sempre" (v. 16). A oração de gratidão de Davi se encontra em 2
Samuel 7.18-29. Nesta oração, ele se refere à promessa de Deus como
"instruções para todos os homens", indicando que essa aliança envolverá o
destino de toda a humanidade (v. 19).
A aliança davídica havia sido antecipada
na aliança de Deus com Abraão (cf. Gn 17.6). A promessa divina de
bênção para as nações seria realizada através do rei davídico (cf. 2Sm
7.19; Sl 72.8–11,17). A aliança davídica também havia sido antecipada na
aliança mosaica (cf. Dt 17.14–20). O rei davídico seria a expressão do
governo teocrático de Deus em Israel. Ele deveria refletir o justo
governo do Rei divino, e também deveria liderar Israel na fiel
observância da lei mosaica. A aliança abraâmica prometera um reino e um
povo para o reino de Deus. A aliança mosaica providenciou a lei do
reino; a aliança davídica fornece agora um rei humano para o reino.
Em Gênesis 49.10, Jacó profetizara que o
cetro pertenceria à tribo de Judá, até a vinda daquele a quem realmente
pertencia esse status real. Essa profecia encontra seu cumprimento
inicial no estabelecimento da realeza davídica. Porém, a aliança
davídica não olha apenas para o cumprimento das profecias do passado,
mas também para a frente, lançando as bases para as esperanças
escatológicas de Israel. A aliança davídica se torna o fundamento para
as profecias messiânicas dos profetas posteriores (cf. Am 9.11; Is
9.6–7). As promessas que ainda não haviam se cumprido, o seriam no
futuro (cf. Is 7.13-25; 16.5; 55.3; Jr 30.8; 33.14-26; Ez 34.20–24;
37.24–25; Os 3.5; Zc 6.12–13; 12.7–8). Em última análise, essas
esperanças messiânicas seriam cumpridas em Jesus, o verdadeiro Filho de
Davi (cf. Mt 1.1; At 13.22–23). Jesus é o Filho de Davi que construirá
uma "casa" para Deus, um novo templo feito sem mãos. Ele é o Filho de
Davi cujo reino está estabelecido para sempre.
Salmo 2
O Salmo 2 é um dos chamados salmos
reais, ou de realeza. Como um dos salmos messiânicos, ele antecipa o
pleno estabelecimento do reino do Filho de Deus. Ele encoraja o povo a
confiar em Deus e a aguardar um tempo em que todos os inimigos de Deus
serão julgados e a justiça será estabelecida. O salmo contém quatro
subseções: a rebelião das nações (v. 1-3); a resposta de Deus (v. 4-6); o
decreto de Deus (v. 7-9) e o domínio do rei (v. 10-12).
Os versos 7-9 baseiam-se nas promessas
encontradas na aliança davídica, principalmente na promessa de Deus a
Davi: "Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho" (2Sm 7.14). Estes
versos antecipam a extensão do reino do Messias até as extremidades da
terra. No Novo Testamento, Deus Pai usa palavras tomadas desta seção do
Salmo 2 (e de Isaías 42.1) para declarar que Jesus é seu Filho (cf. Mt
3.17; 17.5). Este salmo nos ensina sobre o Messias; nos ensina sobre
Jesus.
Salmo 45
O Salmo 45 é outra das canções de
realeza. Ele é atribuído aos filhos de Corá e dirigido ao rei davídico.
Os cinco primeiros versos são expressões diretas de honra e louvor ao
rei. Nos versos 6-7, no entanto, o salmista parece estar olhando para
além do rei davídico atual.
O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre;cetro de equidade é o cetro do teu reino.Amas a justiça e odeias a iniquidade;por isso Deus, o teu Deus, te ungiucom o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros.
As palavras hebraicas traduzidas como "O
teu trono, ó Deus" foram traduzidas de diversas maneiras. Elas foram
traduzidas como “O teu trono, ó Deus” (p. ex., ARA, NVI; em inglês KJV,
NIV, NASB, NRSV, ESV). Também foram traduzidas como: "Teu trono é como o
trono de Deus" (p. ex., NEB em inglês). Ou ainda: "Teu trono é de Deus"
(por exemplo, BJ, EP; em inglês, RSV). A Septuaginta dá suporte à
tradução "O teu trono, ó Deus". A citação do Novo Testamento deste verso
da Septuaginta também considera esta tradução (cf. Hb 1.8).
Esta tradução significa que o rei é
tratado aqui como "Deus", e seu trono é identificado com o trono de
Deus. No versículo 7, contudo, o rei davídico se distingue de Deus:
"Deus, o teu Deus, te ungiu". Como Derek Kidner explica, este tipo de
linguagem paradoxal só pode ser compreendida à luz da encarnação de
Cristo: "É um exemplo da linguagem do Antigo Testamento que irrompe as
suas barreiras, para exigir um cumprimento mais do que humano".
Salmo 110
O Salmo 110 é outro dos salmos de
realeza. É um dos salmos mais frequentemente citados em todo o Novo
Testamento (cf. Mt 22.44; 26.64; Mc 12.36; 14.62; 16.19; Lc 20.42–44;
22.69; At 2.34–35; Rm 8.34; 1Co 15.25; Ef 1.20; Cl 3.1; Hb 1.3,13; 5.6;
7.17,21; 8.1; 10.12–13; 12.2). De acordo com o título, Davi foi seu
autor, um fato que é crucial para a sua interpretação dentro do Novo
Testamento.
Disse o SENHOR ao meu Senhor:Assenta-te à minha direita,até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés (v. 1).
Essas linhas introdutórias são
importantes por causa do que dizem sobre o rei messiânico. As primeiras
palavras do verso após o título são ne'um yhwh, indicando que este é um oráculo do Senhor. As palavras la'doni
são traduzidas por "ao meu Senhor". É significativo que Davi fale do
rei neste salmo como "meu Senhor". Outra tradução dessas palavras é "meu
mestre". Em suma, o próprio Davi expressa submissão ao rei que deve
sentar-se à direita de Deus. A autoridade deste rei é derivada do
Senhor, que promete estender seu governo colocando todos os seus
inimigos debaixo dos seus pés (cf. Sl 2.8–9). A metáfora do "estrado
para os pés" (NVI) indica o controle absoluto.
O SENHOR enviará de Sião o cetro do seu poder,dizendo: Domina entre os teus inimigos.Apresentar-se-á voluntariamente o teu povo,no dia do teu poder; com santos ornamentos,como o orvalho emergindo da aurora,serão os teus jovens. (v. 2-3)
A autoridade do rei messiânico será
estendida até que todos os seus inimigos sejam forçados a reconhecer o
seu domínio. A interpretação do versículo 3 é difícil, mas parece
indicar que o povo do rei voluntariamente se consagrará para servi-lo na
batalha.
O SENHOR jurouE não se arrependerá:Tu és sacerdote para sempre,segundo a ordem de Melquisedeque. (v. 4)
Dizer que o Senhor "jurou" indica a
existência de um juramento solene. Neste caso, o juramento se refere às
promessas da aliança que ele fez a Davi (cf. 2Sm 7.13). Ele declara: "Tu
és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque".
Melquisedeque foi um rei-sacerdote sobre a cidade de Salém (cf. Gn
14.18). Como ele, o rei davídico era um rei sacerdotal (cf. 2Sm 6.14,
17–18; 1Rs 8.14, 55, 62–64). A união perfeita entre sacerdócio e realeza
é definitivamente encontrada apenas em Jesus (cf. Hb 5.1–10; 7.1–28).
O Senhor, à tua direita,no dia de sua ira, esmagará os reis.Ele julga entre as nações;enche-as de cadáveres;esmagará cabeças por toda a terra.De caminho, bebe na torrenteE passa de cabeça erguida. (v. 5-7)
Os versos finais do Salmo 110 declaram a
vitória vindoura do rei messiânico. Hans-Joachim Kraus prestativamente
resume o significado das declarações deste salmo sobre o rei ungido: "Em
resumo, quatro pontos devem ser especialmente enfatizados: (1) O
próprio Senhor exalta o rei e coloca-o à sua direita, nomeia e
capacita-o como co-regente; (2) o entronizado é considerado como sendo
de nascimento celeste; (3) ele é declarado como sacerdote (segundo a
ordem de Melquisedeque); (4) por meio dele e de sua presença, o Senhor,
juiz do mundo e herói de guerra, conquista todos os inimigos". Os
autores do Novo Testamento reconheceram apenas uma figura que cumpriu
tudo o que este salmo retratava, a saber, Jesus de Nazaré. Este salmo se
tornaria central na proclamação da sua exaltação.
Conclusão
Estes são apenas um punhado dos muitos
textos nos livros históricos e nos Salmos que lançam luz sobre a pessoa e
a obra do Messias. Em nosso próximo artigo, continuaremos a examinar
alguns dos mais ricos textos messiânicos do Antigo Testamento, aqueles
encontrados nos escritos dos profetas.
Revisão: Vinicius Musselman
O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.
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