Michael Horton 14 de Abril de 2016 - Vida Cristã
Radical. Épico. Revolucionário.
Transformador. Impactante. Transformador de vida. Definitivo. Extremo.
Impressionante. Emergente. Alternativo. Inovador. No limite. A próxima
onda. Descoberta explosiva.
Provavelmente, você pode adicionar
outros termos à lista de modificadores que se tornaram, ironicamente,
parte das conversas comuns na sociedade e na igreja de hoje. A maioria
de nós já ouviu expressões como essas tantas vezes que elas já se
tornaram um lugar-comum. Mesmo que os anúncios nos tenham deixado um
pouco exaustos, estamos ansiosos para levar as coisas para “um outro
nível”.
“Comum” deve ser uma das palavras mais
solitárias do nosso vocabulário hoje. Quem quer um adesivo de carro que
anuncie para o bairro: “Meu filho é um estudante comum da escola
estadual local”? Quem quer ser essa pessoa comum que vive em uma cidade
comum, é um membro de uma igreja comum, tem amigos comuns e trabalha em
um emprego comum? Nossa vida tem que contar para alguma coisa. Temos que
deixar a nossa marca, ter um legado, fazer a diferença. Precisamos ser
discípulos radicais, levar nossa fé a um nível totalmente novo. E tudo
isso deve ser algo que posa ser gerenciado, medido e mantido. Temos que
fazer jus ao nosso perfil no Facebook.
E, no entanto, sinto uma inquietação
crescente com esta inquietação. Alguns têm se cansado das chamadas
constantes à mudança radical por meio de métodos novos e melhorados.
Essas pessoas estão menos certas de que querem aderir ao próximo
movimento ou trilhar novos caminhos para a grandeza. Rod Dreher observa:
Cotidianidade é o meu problema. É fácil
pensar sobre o que você faria em uma guerra, ou se um furacão atingisse a
cidade, se você passasse um mês em Paris, se o seu candidato ganhasse a
eleição, se você ganhasse na loteria ou comprasse aquela coisa que você
realmente queria. É muito mais difícil imaginar como você vai conseguir
vencer o dia de hoje sem se desesperar.
Em seu livro sobre sua irmã, The Little Way of Ruthie Leming (“O pequeno caminho de Ruthie Leming”), Dreher sinaliza uma crescente sensação de cansaço com o culto ao extraordinário.
Inquietos pela próxima grande novidade
Estou convencido de que uma das razões
para a nossa obsessão com o ser extraordinário é a cultura do
reavivamento que moldou o protestantismo americano. Especialmente
através do evangelista Charles G. Finney (1792-1875), o reavivalismo
adotou uma teologia centrada no homem e encontrou métodos adequados para
isso. Ao colocar a salvação nas mãos do indivíduo endurecido, o
evangelista precisava de “novas medidas suficientes para induzir o
arrependimento”. Como Richard Hofstadter observou, “o sistema de
estrelato não nasceu em Hollywood, mas no rastro das cruzadas de
evangelismo”. O foco não estava tanto no evangelho e nos meios de graça
apontados por Deus, mas no evangelista e em seus métodos para produzir
avivamento.
O raciocínio era de que a mensagem e os
métodos instituídos por Cristo eram muito fracos, comuns demais. Não é o
que acontece na igreja e em casa durante toda a semana que realmente
importa, mas sim o dia em que o reavivamento chegou à cidade e você foi
“gloriosamente salvo”, como minha avó costumava dizer.
Um contemporâneo de Finney, o pastor e
teólogo reformado John W. Nevin, contrastou “o sistema do banco” (o
precursor da chamada ao altar) e “o sistema do catecismo”:
A antiga fé Presbiteriana, na qual
nasci, foi baseada na ideia de uma religião da família da aliança, em
membresia na igreja por um ato santo de Deus através do batismo e em
seguida em uma formação catequética regular do jovem, com referência
direta a sua vinda à mesa do Senhor. Em suma, tudo procedia da teoria de
uma religião educacional e sacramental.
Estes dois sistemas, Nevin concluiu,
“envolvem, no fim das contas, duas teorias diferentes de religião”. A
conclusão de Nevin foi justificada pelos desenvolvimentos subsequentes.
Perto do fim do seu ministério, ao
considerar a condição de muitos que tinham experimentado seus
reavivamentos, o próprio Finney se perguntou se esse anseio sem fim por
experiências cada vez maiores poderia levar à exaustão espiritual. Suas
preocupações se mostraram fundamentadas. A área onde os avivamentos de
Finney foram especialmente dominantes agora é chamada por historiadores
de o “distrito incinerado”, um lugar fértil tanto para a desilusão
quanto para a proliferação de seitas esotéricas. Este tem sido o ciclo
vicioso do reavivalismo evangélico desde então: um pêndulo entre o
entusiasmo e desilusão, em vez de amadurecimento constante em Cristo
através da participação na vida comum da comunidade da aliança.
Se o crescimento gradual em Cristo é
trocado por uma experiência radical, não é de se estranhar que muitos
comecem a procurar a próxima grande novidade assim que a mais recente
experiência marcante se vai. Mesmo em minha própria vida, eu testemunhei
(e participei de) um desfile de movimentos radicais. E agora, de acordo
com a revista Time, o “novo calvinismo” é uma das principais tendências
que estão mudando o mundo. Este movimento também tem sido identificado
como dos “jovens, inquietos e reformados”. Mas, enquanto ele for
definido pela inquietação juvenil, ele pode tender a deformar o que
significa ser reformado.
Quando eram pescadores mais jovens, meus
filhos não conseguiam deixar suas linhas na água tempo suficiente para
pegar qualquer coisa viva. Eles ficavam sempre recolhendo a linha para
ver se tinham apanhado algo. Então, quando quiseram plantar morangos com
minha esposa, seu entusiasmo inicial logo se transformou em tédio
quando, depois de apenas alguns dias, não viram qualquer fruto.
Ser jovem é ser inquieto. Ficamos
perdidos em devaneios impacientes e impulsos egoístas. Mas somos
chamados várias vezes no Novo Testamento a crescer, a amadurecer, a
deixar nossas coisas de menino. Somos chamados a submeter-nos aos mais
velhos, a apreciar a sabedoria que não abrange apenas anos, mas
gerações, e a perceber que não temos todas as respostas. Nós não somos
as estrelas de nosso próprio filme. Se todo o aparato da vida da igreja
for projetado por e para uma cultura jovem, então nós nunca cresceremos.
Então, pelo menos de certa forma, a
nossa inquieta impaciência com o comum não é apenas influência de nossa
cultura, mas também influência de pontos de vista pouco sólidos do
discipulado cristão que moldaram a cultura ao longo de gerações.
Renovando o respeito pelo comum
Antes de mais nada, qualquer renovada
apreciação pelo comum começa com Deus. É claro que Deus dificilmente
pode ser considerado “comum”, contudo, ele tem prazer em trabalhar de
formas comuns. Nosso Deus trino poderia fazer tudo sozinho, direta e
imediatamente. Afinal, ele disse: “Haja luz”, e houve luz (Gn 1.3). No
entanto, ele também disse: “produza a terra relva”. E “a terra, pois,
produziu relva” (v. 12). Deus não é menos fonte última da realidade
quando está trabalhando dentro da criação para que ela “produza” seus
propósitos do que quando está diretamente chamando as coisas à
existência.
Na Providência, a forma comum de Deus
trabalhar deve nos surpreender com admiração. O que poderia ser mais
comum do que o nascimento de uma criança? Não precisamos chamá-la de
milagre para nos admirarmos com a obra de Deus. Mesmo a forma de
trabalho normal de Deus é estupenda. Embora os profetas e apóstolos
tenham sido chamados para um serviço extraordinário, eles eram pessoas
comuns que comunicavam a Palavra de Deus em linguagem comum.
Vemos essa diversidade até mesmo na
Encarnação. Deus assumir nossa carne no ventre de uma virgem não é nada
menos que uma intervenção direta e milagrosa na história. Ainda assim,
ele assumiu sua humanidade a partir de Maria pela forma comum, por meio
de uma gravidez normal de nove meses. O parto do Deus encarnado tampouco
foi de forma milagrosa. Ele também cresceu em aspectos comuns, através
de meios comuns: “E crescia Jesus em sabedoria, estatura e graça, diante
de Deus e dos homens” (Lc 2.52).
Além disso, o milagre extraordinário do
novo nascimento vem até nós do alto, mas somos unidos a Cristo através
da pregação comum do evangelho. Algumas conversões são radicais, outras
são graduais. Em quaisquer casos, é obra milagrosa de Deus através dos
meios comuns de graça.
Em todas estas formas, Deus é o ator,
mesmo quando age por meio de suas criaturas. Nós não subimos até Deus;
antes, ele desce até nós e nos comunica graça através de palavras e
ações que podemos compreender.
Comum não significa medíocre. Atletas,
arquitetos, filantropos e artistas podem atestar a importância da
fidelidade diária em tarefas mundanas para que se chegue à excelência.
Porém, mesmo que não sejamos pessoas de destaque em nossos vários
chamados, é suficiente saber que somos chamados por Deus para manter uma
presença fiel em seu mundo. Nós olhamos para Deus com fé, e para o
nosso próximo com amor e com boas obras. Você não precisa transformar o
mundo para ser fiel como mãe, pai, irmão, membro da igreja ou vizinho.
E, quem sabe? Talvez, se descobrirmos as
oportunidades do comum, um carinho pelo familiar e uma admiração pelo
ordinário, podemos acabar sendo radicais, afinal.
Tradução: João Paulo Aragão da Guia Oliveira
Revisão: Yago Martins
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