Tanto
para o povo hebreu, que viveu durante 430 anos no Egito, quase todo
esse tempo em regime de escravidão, quanto para os cristãos, a páscoa
tem um significado essencial: libertação. Aproveitando-nos do tempo e da
época em que, com grande estardalhaço de coelhos e ovos se comemora a páscoa comercial,
que traz alguma esperança de livramento da opressão da crise econômica
para muitos envolvidos no mundo dos negócios, convido o leitor a
refletir sobre o significado básico deste precioso evento.
Quando se
fala em libertação, presume-se que existe a liberdade, bem como o
cerceamento dela. A sua existência carece de uma definição, até mesmo
para que possamos começar a conversar. Assim, nem a liberdade está livre
de uma definição que a resuma, conceitue e lhe dê significado além da
própria palavra. O conceito libertário, tão propagado nas décadas
revolucionárias do final do século passado, em que o homem almejava ser
“uma metamorfose ambulante”, livre de leis, de conceitos e opiniões
formadas, tem provado ser uma ilusão e um caminho de degradação para a
raça humana, pois a liberdade de um, nesse sentido, é a prisão de
outros. A ideia de uma liberdade absoluta morre quando deixamos de
defini-la. Logo, a liberdade só pode ser “liberdade para” ou “liberdade
de”, mas nunca “liberdade” só.
A conhecida história da libertação dos descendentes de Abraão, Isaque e Jacó, registrada no livro do Êxodo (capítulo 12), mostra-nos estes dois lados da liberdade: “da” escravidão no Egito, onde eram oprimidos como etnia, e “para” adorar ao Deus de seus pais de maneira completa. Ali, o povo hebreu não só era escravo no corpo, mas escravo na mente, quando não tinha a liberdade de expressar a sua fé no Deus que havia se revelado aos seus antepassados e os convocava para a adoração verdadeira. O povo era escravo dos ídolos do Egito em suas mais variadas formas, fossem eles ídolos religiosos, culturais ou econômicos. Nem a liberdade de serem fecundos tinham, pois o soberano da nação mandou assassinar a todas as crianças do sexo masculino que nascessem de mães israelitas (Êxodo 1.15).
A sua saída do Egito, às pressas depois que seus exatores foram fustigados pela mão de Deus, mostra-nos com clareza que a “liberdade de” tem como propósito a “liberdade para”. Disso os que foram libertados nunca poderiam esquecer, senão tornar-se-iam escravos mais uma vez. Deus lhes proveu uma maneira de manter isto vivo na memória: o povo poderia desfrutar da liberdade obedecendo ao que lhe era ensinado. Deveriam, todos os anos, reunir-se e celebrar a libertação comendo pães sem fermento durante uma semana, acompanhado de ervas amargas e com a carne de um cordeiro sem defeito, imolado para a ocasião especial. O pão lhes lembraria a rápida fuga, sem o tempo para a preparação do pão com fermento, quando deixaram um país e toda uma vida de escravidão para trás. As ervas seriam a lembrança do amargor de ser escravos e não ter liberdade “de”e “para”. [1] O sangue do cordeiro seria passado nas portas, lembrando-lhes que a sua liberdade foi a custo de sangue e intervenção divina. Assim também lembrariam que não deveriam escravizar outras pessoas.
Pouco mais de
um milênio depois da primeira páscoa, um homem chamado Jesus (em
hebraico, Josué), nascido na cidade de Belém da Judéia (que foi o berço
do grande rei Davi) e criado no vilarejo de Nazaré (lugar desprezado na
“Galiléia dos gentios”), celebrava a Páscoa em Jerusalém junto com
outros doze que o seguiam por toda a parte. Sabemos que havia pão e
vinho à mesa. Provavelmente serviu-se o cordeiro assado, conforme
mandava a lei. Supomos que, por obediência, afinal não houve outro que
fosse obediente como Jesus, as ervas amargas estivessem presentes no
centro, lembrando-lhes a escravidão passada e a amargura presente.
Viviam na Terra Prometida, mas não tomaram posse dela. Tinham suas
casas, mas não as possuíam. Criavam seus filhos na religião, mas não
eram livres para servir ao Deus verdadeiro. Não eram estrangeiros, mas
continuavam escravos. Quase todo o povo sabia desta amarga realidade,
mas poucos ousavam articular as palavras que a revelasse. Seus líderes
religiosos mentiam a si mesmos, dizendo: “somos descendência de Abraão e
jamais fomos escravos de alguém” (João 8.33). Eram escravos do
seu próprio orgulho. Tinham os olhos cegos e o coração endurecido
(Isaías 6.10), como o de Faraó, que não os deixara sair do Egito. [1]
O homem que
coordenava a celebração naquele pequeno refeitório tinha uma clara
missão: ensinar de maneira definitiva o significado da liberdade,
exemplificar de maneira encarnada o que é ser livre e efetivar a
libertação daqueles que viessem a conhecer a verdade. [3].
Como fez isto? Encarnando a própria páscoa, experimentando o profundo
amargor de ser condenado sem culpa e morto, tornando-se o próprio
cordeiro pascal, o Cristo (que significa o ungido, escolhido por Deus).
[4]. Assim, o Cordeiro Pascal veio trazer “liberdade para” que o ser
humano pudesse ser, amar, servir e conhecer a verdade. E “liberdade do”
pecado escravizante que cega e não permite ao individuo saber, sequer,
que é escravo. Não é liberdade absoluta, no sentido pretendido pelo
modernismo e pós-modernismo, mas relativa e condicionada à verdade
absoluta que a define. Parte fundamental do sentido de liberdade está no
respeito ao próximo, que é amar ao próximo como a si mesmo, mas isto
fruto de servir a Deus, amando-o do todo coração, força, alma e
entendimento.
Como
celebramos a liberdade cristã na Páscoa? Conhecendo a Verdade, amando a
Deus e ao próximo, obedecendo àquele que nos ensinou a fazer, em
memória dele, a encenação daquela última ceia pascal de que ele mesmo
partilhou. Repetindo-a constantemente, lembrando-nos que Ele disse que
estaria conosco até a consumação dos séculos.
Abençoada Páscoa a todos!
Da equipe do Tempora.
Abençoada Páscoa a todos!
Da equipe do Tempora.
[4]
"Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois,
de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi
imolado.”
A
foto acima é do conhecido "Jardim do Túmulo", um túmulo datado do
primeiro século com características similares à descrição dada nos
Evangelhos do lugar onde o Senhor foi sepultado.
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