Diante da Porta Estreita – Dificuldades no caminho de crer
É POSSÍVEL que o leitor sinta alguma
dificuldade em crer. Deixe-o considerar. Não podemos crer por um ato
imediato. O estado da mente que descrevemos como acreditar é um
resultado; a sequência alguns estados antigos da mente. Chegamos à fé
por graus. Pode até haver algo como fé à primeira vista, mas,
usualmente, chegamos à fé por estágios: ficamos interessados,
consideramos, ouvimos evidências, somos convencidos e, então, somos
levados a crer. Assim, se eu quero crer, mas por uma razão ou outra não
consigo obter fé, o que eu devo fazer? Devo ficar parado como uma vaca
contemplando uma nova porteira ou devo eu, como um ser inteligente, usar
os meios próprios? Se quero crer em qualquer coisa, o que devo fazer?
Vamos responder de acordo com as regras do senso comum.
Se me dissessem que o Sultão de Zanzibar[1]
é um bom homem e se fosse algo de interesse para mim, eu não suponho
que sentiria qualquer dificuldade em crer. Mas, por alguma razão, eu
duvido disso e, ainda assim, desejaria acreditar na notícia, como
deveria agir? Não deveria procurar toda a informação que está ao meu
alcance sobre Sua Majestade e tentar, pelo estudo dos jornais e outros
documentos, chegar à verdade? Melhor ainda, se acontecesse de ele estar
neste país e eu pudesse vê-lo e mesmo conversar com membros de sua corte
e cidadãos do seu país, eu seria grandemente ajudado a chegar a uma
decisão por usar essas fontes de informação. Evidência comparada e
conhecimentos obtidos levam à fé. É verdade que a fé em Jesus é dom de
Deus, mas, ainda assim, Ele, usualmente, dá a fé de acordo com as leis
da própria mente e daí nos é dito que “o crer vem pelo ouvir; e o ouvir, pela palavra de Deus”.
Se você quer crer em Jesus, ouça sobre Ele, leia sobre Ele, pense nEle,
conheça a Ele e, então, você achará fé brotando em seu coração, tal
qual o trigo que surge através da humidade e do calor operando na
semente que foi semeada. Se eu desejasse ter fé em certo médico, eu
perguntaria às testemunhas de suas curas, desejaria ver os diplomas que
certificam o seu conhecimento profissional e eu, ainda, gostaria de
ouvir o que ele diz acerca de certos casos complicados. De fato, eu
usaria meios para saber, a fim de que cresse.
Ouçam bastante
sobre Jesus. Milhares de almas chegaram à fé em Jesus pelo ministro que
lhe apresenta clara e constantemente a Cristo. Poucos permanecem sem
crer ouvindo um pregador cujo grande assunto é o Cristo crucificado. Não
ouçam nenhum outro tipo de ministro. Há outros. Eu ouvi falar de um
ministro que achou em sua Bíblia de púlpito um papel contendo este
texto: “Senhor, queremos ver Jesus”. Vá ao local de adoração para ver
Jesus e, se você não pôde nem ouvir a menção do Seu Nome naquele lugar,
vá para outro aonde se pensa mais sobre Ele, e, portanto, sua presença
se torna sensível.
Leiam bastante sobre Jesus. Os
livros das Escrituras são os lírios que Ele alimenta. A Bíblia é a
janela pela qual podemos olhar e ver nosso Senhor. Leia sobre a história
de Seus sofrimentos e Sua morte com devotada atenção e, em pouco tempo,
o Senhor fará a fé secretamente entrar na sua alma. A cruz de Cristo
não só recompensa a fé, mas a faz começar. Muitos crentes podem dizer:
“Quando vi a ti, ferido, sofrendo,
Sem respirar na maldita árvore,
Logo vi meu coração crer
Tu sofreste ali por mim”.
Se ouvir e ler não forem suficientes, então, deliberadamente, determine à sua mente o trabalho de revisar a matéria e
o realize. Ou você crerá, ou saberá a razão de não crer. Veja o assunto
todo até o limite de suas capacidades e ore a Deus para que lhe ajude a
fazer uma investigação completa para chegar a uma decisão honesta de
uma forma ou outra. Considere quem Jesus era e se a constituição de Sua
pessoa não lhe garante total confiança. Considere o que Ele fez e se
esse não é outro bom motivo para confiança. Considere-O morrendo,
levantando dos mortos, ascendendo aos céus e vivendo eternamente para
interceder pelos transgressores e veja se isso não O capacita para ser
alguém de quem você pode depender. Então clame a Ele e veja se Ele não
lhe ouve. O bispo Usher queria saber se o puritano Rutherford era de
fato um homem tão santo quando se dizia ser. Assim, Usher foi a casa de
Rutherford vestido como um pedinte, ganhou um quarto e pôde ouvir o
homem de Deus derramando seu coração diante do Senhor durante a noite.
Se você puder conhecer a Jesus, chegue o quanto puder perto Dele para
estudar Seu caráter e apelar para o Seu amor.
Houve um tempo em que eu precisei de
evidências para crer no Senhor Jesus, mas agora, por experimentá-lo, O
conheço tão bem que eu precisaria de muitas evidências contrárias para
que começasse a duvidar. Agora, é mais natural para mim confiar do que
descrer. Isso é o triunfo da nova natureza, pois não era assim no
começo. A novidade da fé é, no início, uma fonte de fraquezas, mas ações
de confiança consecutivas tornam a fé um hábito. Experiência traz forte
confirmação à fé.
Eu
não estou perplexo com a dúvida, porque a verdade na qual acredito fez
um milagre em mim. Por seus meios eu recebi e ainda tenho uma nova vida,
para a qual eu antes fui um estranho. Isso é uma confirmação das mais
fortes. Eu sou como o bom homem e sua mulher que mantiveram um farol por
anos. Um visitante, que veio ver o farol, olhando para fora da janela a
ira das águas, perguntou à boa mulher: “Você não fica com medo de
noite, quando a tempestade está lá fora e as grandes ondas passam logo
em volta da lanterna do farol? Você não teme que o farol e tudo que há
nele, sejam levados? Estou certo de que teria medo de confiar em uma
torre fina no meio das grandes ondas”. A mulher comentou que a ideia
nunca lhe ocorrera. Ela havia vivido lá por tanto tempo que se sentia
tão segura na rocha solitária quanto ela sempre se sentiu vivendo na
terra firme. E acerca de seu marido, quando perguntado se ele não se
sentia ansioso quando o vento provocava um furacão, ele respondeu: “Sim,
eu fico ansioso para manter as lâmpadas bem seguras e a luz acesa, a
fim de que nenhum barco naufrague”. O homem havia sobrevivido à
ansiedade sobre a segurança do farol ou a sua própria segurança pessoal.
Assim também ocorre com o crente crescido e maduro. Ele pode dizer
humildemente: “Eu sei em quem tenho crido e estou bem certo de que é poderoso para guardar o meu depósito até aquele Dia”.
Diante disso, que nenhum homem tente me inquietar com dúvidas e
questionamentos, pois eu carrego em minha alma as provas da verdade e do
poder do Espírito e não terei nenhum de seus raciocínios astutos. Para
mim, o evangelho é verdade e se não fosse, eu estaria contente em
perecer. Eu arrisco o destino eterno da minha alma sobre a verdade do
evangelho e sei que não há nenhum risco nisso. Minha única preocupação é
manter a luz acesa, para que eu possa beneficiar a outros. Que apenas o
Senhor me dê óleo suficiente para alimentar minha chama e eu estarei
bem contente.
Agora, homem insensato, se é no
evangelho que seu ministro e muitos outros em quem você confia
encontraram perfeita paz e descanso, porque você não encontraria? Está o
Espírito do Senhor em dificuldades? As palavras Dele não fazem bem aos
que andam na retidão? Você não tentará também a virtude que os salva?
O evangelho é todo verdadeiro, pois Deus
é o seu Autor. Creia nele. O Salvador é totalmente capaz, pois Ele é
Filho de Deus. Confie Nele. Seu precioso sangue é totalmente poderoso.
Busque Seu perdão. O seu coração grandioso é totalmente amoroso. Corra
para ele agora.
Eu insisto que você, leitor, busque a
fé, mas se você não a deseja, o que mais posso fazer? Eu trouxe o cavalo
à água, mas não posso fazê-lo beber. Todavia, lembre-se disso: incredulidade é intencional quando a evidência é apresentada no caminho do homem e ele se recusa a examiná-la cuidadosamente. Aquele que não deseja saber e aceitar a verdade deve culpar a si mesmo se morrer carregando uma mentira. É verdade que “quem crer e for batizado será salvo” e é igualmente verdade que “quem não crer já está condenado”.
[1] Zanzibar hoje
é um território semi-independente pertencente a Tanzânia, no leste
africano; porem, na época de Spurgeon, era parte do sultanato mulçumano
de Omã, e quando esse livro foi escrito, 1890, o sultão era Khalifah bin
Said
“Diante da Porta Estreita” é uma tradução do site Projeto Spurgeon – Proclamando a Cristo Crucificado. Proibida a reprodução desse material sem citar o Projeto e proibida a venda em material impresso. Permitida a divulgação na net.
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